Relatos de Mulheres que Engravidaram durante o Uso de Medicamentos, Qual Evidência Científica?

Sabe-se que a redução da resistência insulínica e do peso, benefícios desses medicamentos, pode melhorar a ovulação.

imagem pixabay

Nas redes sociais, diversas mulheres usuárias de medicamentos análogos de GLP-1, como Ozempic, têm publicado relatos de gravidez após o tratamento, relacionando o uso da medicação à melhora da fertilidade. Esse fenômeno recebeu o nome de Ozempic Baby Boom ou bebês Ozempic. Mas, por enquanto, o que temos são apenas relatos na internet e não se sabe quão difundido é esse fenômeno.

O Ozempic e medicamentos semelhantes podem promover uma diminuição da resistência insulínica e estimular uma perda significativa de peso, reduzindo o apetite e retardando o processo digestivo. E é bem estabelecido pela ciência que há melhora da ovulação com a redução da resistência à insulina e do peso.

Mas pouco se sabe sobre os efeitos desses medicamentos em mulheres que desejam engravidar ou que engravidam enquanto os tomam, visto que foram especificamente excluídas dos primeiros ensaios clínicos. Além disso, existem diversos marcadores relacionados à fertilidade de um casal. Então, não faz sentido usar um medicamento para emagrecer, sem orientação médica, com o objetivo de engravidar.

Ainda assim, podemos pensar em algumas possibilidades que explicam a relação entre gravidez e o uso desses medicamentos. Por exemplo, sabemos que a perda de peso pode afetar a ovulação e a fertilidade. Também, com o equilíbrio dos hormônios e a melhora da resistência à insulina, o acesso hormonal volta a funcionar e isso pode ajudar as mulheres a voltar a ovular – e dependendo do grau de resistência insulínica e obesidade, pode fazer anos que não ovulam.

É justamente pelo conhecimento dessa relação entre perda de peso e melhora da fertilidade que as clínicas de fertilidade costumam contar com a colaboração de uma equipe multidisciplinar, incluindo nutricionistas e médicos. No geral, perder apenas 5 a 10% do peso corporal pode ajudar as mulheres a engravidar, quando esse é o motivo da infertilidade. Isso porque a gordura é hormonalmente ativa: sabemos que tem efeitos sobre o estrogênio, impacto na ovulação e, possivelmente, no desenvolvimento dos óvulos.

Além disso, há uma suspeita também de que os medicamentos análogos de GLP-1 afetem a absorção de contraceptivos orais em algumas pacientes, interferindo em sua eficácia e levando a uma gravidez não planejada.

E a maior preocupação entre as mulheres que engravidam enquanto usam esses medicamentos está relacionada aos riscos para o feto. Embora algumas mulheres tenham postado histórias tranquilizadoras de partos de bebês saudáveis, o mais indicado é realmente interromper o uso imediatamente após engravidar. O próprio laboratório já comentou que não há dados suficientes disponíveis para saber se o medicamento representa risco de defeitos congênitos, aborto espontâneo ou outros eventos adversos relacionados à gravidez.

De acordo com as informações de prescrição do Ozempic, ratas grávidas que receberam o medicamento apresentaram anormalidades estruturais fetais, problemas de crescimento fetal e mortalidade embrionária. Coelhos e macacos tiveram perdas precoces de gravidez ou anomalias estruturais, bem como acentuada perda de peso corporal materno. Já a fabricante do Wegovy, uma espécie de Ozempic mais potente, afirmou, com base em estudos, que a exposição à semaglutida durante a gravidez pode representar riscos para o feto. Dessa forma, a empresa recomenda interromper o uso pelo menos dois meses antes de uma gravidez planejada.

No entanto, isso não quer dizer que esse tipo de medicamento não pode ser indicado. Em casos de obesidade e/ou níveis elevados de açúcar no sangue, pode funcionar como uma estratégia inicial para perda de peso e melhora dos índices metabólicos. Isso pode ser feito em conjunto com um endocrinologista, principalmente em mulheres em sobrepeso com menos de 35 anos, realmente com o objetivo de emagrecimento e normalização dos índices metabólicos, para então interrompermos esse tratamento e iniciarmos o planejamento da gravidez, seja ela natural ou com ajuda de técnicas de reprodução assistida.

Por fim, devemos considerar que controlar o diabetes é importante para uma gravidez saudável, então pacientes que tomam Ozempic para essa finalidade devem discutir os riscos e benefícios com seu médico.

Fonte: Dr. Fernando Prado – Médico ginecologista, obstetra e especialista em Reprodução Humana. É diretor clínico da Neo Vita e coordenador médico da Embriológica. Doutor pela Universidade Federal de São Paulo e pelo Imperial College London, de Londres – Reino Unido. Possui graduação em Medicina pela Universidade Federal de São Paulo, Membro da Sociedade Americana de Medicina Reprodutiva (ASRM) e da Sociedade Europeia de Reprodução Humana

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