Ampliação do teste do pezinho está em vigor desde 2021, mas ainda é preciso superar dificuldades para sua implementação efetiva
Este 28 de junho é celebrado como o Dia Internacional da Triagem Neonatal. A data presta homenagem a dois pioneiros da detecção precoce de doenças raras: o americano Robert Guthrie e o alemão Horst Bickel, ambos nascidos neste dia. Hoje, cerca de 400 enfermidades podem ser diagnosticadas por exames que vão desde testes bioquímicos até análises genéticas.
A conscientização sobre a importância desses exames é o foco do dia 28 de junho, uma vez que quanto mais cedo for descoberta uma doença rara, maiores são as chances de que a criança tenha acesso ao tratamento recomendado. Embora cada uma das seis a oito mil doenças raras não afete mais do que uma em cada 1.500 pessoas, estas condições, no seu conjunto, atingem 6% da população, ou 13 milhões de brasileiros. Essas enfermidades são, em geral, progressivas, incapacitantes e podem reduzir a expectativa de vida. Mas com o diagnóstico precoce e correto e o manejo recomendado, é possível proporcionar uma melhor qualidade de vida a muitos pacientes.
No Brasil, foi estabelecido em junho de 2001 o Programa Nacional de Triagem Neonatal, que permitiu a consolidação do teste do pezinho no país, antes realizado por iniciativas isoladas e de modo desarticulado. Inicialmente restrito a duas doenças (fenilcetonúria e hipotireoidismo congênito), o exame chegou a seis enfermidades em 2014, incluindo também hemoglobinopatias, fibrose cística, hiperplasia adrenal congênita e deficiência de biotinidase.
No ano passado, com a sanção da Lei do Teste do Pezinho Ampliado, foi prevista a expansão da testagem no Sistema Único de Saúde (SUS), de forma escalonada, para mais de 50 doenças. A primeira adição foi da toxoplasmose congênita. Na sequência, serão incluídos a galactosemia, as aminoacidopatias e os distúrbios do ciclo de ureia e da betaoxidação de ácidos graxos. Na terceira etapa, doenças lisossômicas de depósito (como as mucopolissacaridoses) e, na quarta, problemas genéticos do sistema imunológico. Por fim, será acrescentada a atrofia medular espinhal na quinta e última etapa da expansão.
Acesso desigual
Apesar disso, ainda há um grande desafio a ser superado, que é garantir o acesso à testagem de forma universal no país. “Muitas regiões não possuem a cobertura adequada, seja por falta de infraestrutura, seja por fatores socioeconômicos. É fundamental que haja uma articulação nacional para que todos os recém-nascidos sejam beneficiados pelo exame”, alerta o médico geneticista Roberto Giugliani, professor do Departamento de Genética da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS) e Head de Doenças Raras da DASA.
O médico atua há mais de quatro décadas com pesquisas em triagem neonatal, tendo implementado o teste do pezinho de forma pioneira no Hospital de Clínicas de Porto Alegre, em 1984. Na capital gaúcha, ele participa de três estudos-piloto — e lidera dois deles — para a ampliação do exame na rede pública de saúde. “É um teste rápido, seguro e com enormes benefícios para o recém-nascido. Na maioria dos casos, a jornada do paciente pelo diagnóstico correto leva muitos anos. Apenas uma gota de sangue permite abreviar esse tempo e encaminhar a criança bem cedo para o tratamento”, explica Giugliani.
Por enquanto, o teste ampliado está disponível na rede particular, onde é possível também realizar exames mais sofisticados, como análises genéticas capazes de detectar cerca de 400 doenças. Com a evolução da medicina, incrementaram-se ainda as opções de tratamentos para diversas condições, como a terapia gênica.
Para ampliar o acesso a essas técnicas, bem como agilizar o diagnóstico e tratamento, está sendo construída em Porto Alegre a Casa dos Raros. O projeto, pioneiro na América Latina, será um centro multidisciplinar de assistência, pesquisa e treinamento em doenças raras — e será a primeira unidade de uma rede prevista para alcançar todas as regiões do país. A inauguração está prevista para ocorrer ainda em 2022.
“Hoje os pacientes precisam peregrinar por diversos serviços, levando anos até chegar ao diagnóstico. Nosso objetivo é concentrar todo o atendimento necessário para o diagnóstico nesse novo centro, que atuará articulado com uma rede de apoio aos raros que está sendo formada com outros hospitais e universidades de Porto Alegre”, destaca Roberto Giugliani, cofundador da Casa.
Autoria: Médico geneticista Roberto Giugliani, professor do Departamento de Genética da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS) e Head de Doenças Raras da DASA.