Escovação anteroposterior com escova de cerdas multiníveis exige das crianças apenas movimentos instintivos.
A técnica de escovação anteroposterior com escova de cerdas multiníveis é mais eficiente no combate à placa e ao biofilme (placa bacteriana) nos primeiros molares das crianças, quando comparada à técnica tradicionalmente indicada pelos dentistas, chamada transversal. Esse resultado foi obtido em estudo da Faculdade de Odontologia (FO) da USP, realizado pela dentista Alessandra Reyes. Ela analisou os primeiros molares em erupção — os que ainda estão nascendo, em linguagem popular — de 33 crianças entre 5 e 7 anos.
A técnica anteroposterior tem de ser aplicada com uma escova com cerdas de diferentes níveis, que conseguem chegar ao dente que ainda está crescendo e, portanto, está em um nível mais baixo em relação aos demais. “A escovação anteroposterior pede movimentos mais instintivos. Já a técnica transversal exige que a escova fique inclinada para o dente que está nascendo. Como esse não é um movimento natural, as crianças podem esquecer de aplicá-lo”, diz Alessandra.
A placa bacteriana é um termo popular para o biofilme, que é um tipo de película que se forma no dente, pelo acúmulo de resíduos de alimentos e bactérias da boca. Segundo a dentista, após 15 dias da orientação, as crianças removeram placa, tanto com uma quanto com outra técnica, mas após 3 meses, elas podem ter esquecido a técnica transversal e foi ai que a escova de cerdas multinível acabou sendo útil.
Em médio prazo, a técnica anteroposterior se mostrou mais efetiva na redução da placa e do biofilme. ¨A escova com cerdas multinível é mais cara, mas sua indicação não vale a pena só pela remoção de placa, mas pelo fato de ela poder levar a menor progressão das lesões de cárie, que é o que vamos tentar comprovar com a continuação do estudo”, aponta. A continuação da pesquisa pretende avaliar a efetividade destas técnicas tendo como desfecho as lesões de cárie e não mais apenas a placa. “Se ela se mostrar realmente mais eficiente, temos de levar isso para a rede pública de saúde.”
Segundo a pesquisadora, isso mostra que esse processo pode ser realizado em qualquer lugar, já que tem um baixíssimo custo. Não é preciso grandes investimentos para priorizar a saúde bucal das crianças.
Foram utilizados exames para identificar presença ou ausência de placa, tempo de formação da placa (recente ou madura), quantidade de placa que cobria o dente; além da utilização de um método objetivo (QLF), que é um aparelho que captura a fluorescência da placa e analisa as imagens por intermédio de um software. O equipamento de origem holandesa foi adquirido pelo professor Fausto M. Mendes do Departamento de Odontopediatria, com o auxílio do projeto Jovem Pesquisador, do CNPq, que colaborou com recursos financeiros.
A probabilidade de cárie no primeiro molar é muito maior do que nos outros dentes, porque ele pode demorar cerca de 15 meses para nascer. Durante todo esse tempo, ele fica exposto a esse risco. Por isso a escolha desse dente para desenvolver o estudo. O trabalho é inédito nesse sentido, já que a escova multinível nunca foi estudada nesse dente.
Apresentação para as crianças
Crianças e pais foram apresentados ao trabalho por meio de uma palestra ministrada por Alessandra. Foram abordadas as técnicas que seriam utilizadas, bem como a importância de se preocupar com a saúde bucal.
Depois disso, as crianças foram divididas em dois grupos: as que utilizariam a técnica mais comum — a transversal — e a técnica anteroposterior com a escova com cerdas multiníveis. Elas aprenderam como escovar os dentes seguindo de acordo com a técnica do seu grupo e receberam uma escova correspondente ao tipo de técnica: plana para a escovação transversal (tradicional) e com cerdas multiníveis para a escovação anteroposterior.
“Em cada visita elas tinham que nos mostrar como escovavam os dentes, para sabermos se elas de fato tinham aprendido a escovação da maneira correta. Ficou claro que aprenderam”, diz. Mas, Alessandra alerta para o fato de que não há como saber se elas realizavam todos os procedimentos necessários em todas as escovações. “Vendo os resultados a longo prazo, alguns pontos com placa que ficavam em áreas que elas não conseguiam ver no espelho enquanto escovavam nos fizeram pensar que elas podem se esquecer de escovar algumas áreas no dia a dia. As regiões visíveis ficam muito mais limpas, porque as vendo no espelho elas conseguem se lembrar de que tem que escovar aquela parte do dente.”
As crianças foram selecionadas na triagem do Departamento de Ortodontia e Odontopediatria — Disciplina de Odontopediatria após assinatura do termo de consentimento pelos responsáveis. Os atendimentos ocorreram nas dependências da Clinica do Lelo, sobre supervisão da professora Patrícia Freitas. As alunas de pós-graduação Tatiane F. Novaes, Thaís Gimenez e Ronilza Matos, participaram da realização dos exames.
Foto: Pedro Bolle