O que as gestantes devem fazer quando sofrerem discriminações no trabalho por terem engravidado? Como se comportar e o que fazer para reverter a situação?
Quem nunca ouviu histórias de mulheres que começaram a ter problemas no trabalho quando contaram que estavam grávidas? Apesar de haver leis que protegem os direitos da funcionária durante a gestação e o pós-parto, muitas sofrem assédio moral dos chefes e de colegas de trabalho e ficam sem saber como agir em um dos momentos mais delicados de suas vidas.
Foi o que aconteceu com a assistente administrativa Vanessa Claudino. Quando ela engravidou de Pollyana, hoje com seis anos, recebeu os parabéns dos colegas do Sindicato onde trabalhava, mas logo começou a perceber por parte da chefia um desconforto em ter uma gestante na empresa. “Quando eu estava com sete meses de gestação me avisaram que eu iria ficar em casa até o nenê nascer, alegando que eu estava muito nervosa, o que não era verdade. Nesse dia me senti muito mal porque não sabia dessa decisão e fui pega de surpresa. Para mim ficou claro que eles não aprovavam minha gravidez, mas por força da lei tinham que continuar comigo”, desabafa Vanessa.
Ela acatou a decisão e foi para casa. Um mês depois, resolveu fazer um chá de bebê na empresa para os colegas. Levou tudo para a festa, mas quase ninguém apareceu. “Me senti um lixo, rejeitada, segurei o choro e aproveitei com alguns poucos amigos, com quem tenho contato até hoje”. Como ela já esperava, os chefes não ligaram quando o bebê nasceu e pouco antes da licença maternidade acabar, recebeu o aviso-prévio. “O que me deixou mais indignada era saber que eu trabalhava em um sindicato que foi criado para ajudar o trabalhador a proteger seus direitos, e me descartaram quando eu mais precisava de respaldo e de um salário”.
Hoje Vanessa trabalha em uma nova empresa, está novamente grávida e sendo mimada pelos colegas. “Já senti uma enorme diferença no tratamento perante essa nova gestação. Todos cuidam e zelam pelas grávidas aqui (são 3 gestantes na empresa nesse momento), pois entendem nossas ausências, nossas dificuldades e ajudam no que for possível. E, além de tudo, temos uma creche onde podemos deixar nossos anjinhos até os sete anos de idade”, comemora a assistente administrativa.
Histórias como a de Vanessa são muito comuns. Quando uma funcionária engravida muitas empresas veem a gestante como um peso, já que ela se torna onerosa, pois a licença maternidade garante que ela fique em casa durante alguns meses recebendo o salário integral. Como a gestante não pode ser despedida sem justa causa, muitos chefes começam a assediar moralmente a funcionária, levando-a a pedir demissão.
A Dra. Marillia Cristiane Silveira Barbosa, advogada trabalhista do escritório Mello, Dabus e Rached Advogados, explica que a gestante deve, em primeiro lugar, conhecer o que é o Assédio Moral e distingui-lo de outras tensões no trabalho como desavenças eventuais, “stress” e contrariedades.
O assédio moral é uma insistência, perseguição e uma espécie de dano à integridade e à moral de um indivíduo. O assediado sente-se humilhado, diminuído e menosprezado diante do outro. Ele é caracterizado pela conduta abusiva do agressor, através de palavras, gestos, insinuações ofensivas e ameaças, causando constrangimento e situações vexatórias. Quando acontece dentro da empresa, o assédio moral degrada o clima de trabalho e coloca em risco o emprego da vítima.
Se constatado o assédio, a vítima deve comunicar rapidamente colegas de confiança e tomar alguns cuidados para tentar minimizar a situação ou até resolver o problema. “A gestante vítima de assédio moral deverá conversar com o agressor sempre na presença de testemunhas, reforçar a solidariedade no local de trabalho, como forma de coibir o agressor, criando uma rede de resistência às condutas de assédio moral”, diz a advogada.
Segundo a especialista, o ideal é que a gestante busque apoio psicológico da empresa para criar mecanismo de defesa e tomar consciência de que a culpa do que está acontecendo não é dela. A gestante que sofre abuso deve se dirigir à CIPA, Departamento de RH, ou ao SESMT (Serviço Especializado de Segurança e Medicina do Trabalho) para buscar apoio. O Sindicato Profissional também pode oferecer orientação jurídica para denunciar a situação de assédio moral.
Se a vítima não conseguir controlar ou reverter a situação, deve denunciar o assédio ao Ministério do Trabalho e Emprego, ao Ministério Público do Trabalho, ou, entrar com processo na Justiça do Trabalho.
“A dificuldade quando se é vítima de assédio moral é que ela é uma agressão difícil de provar. O assediador nega a realidade da agressão enquanto as testemunhas, que em grande parte das situações são trabalhadores que se relacionam diariamente com o assediador, também não querem interferir porque temem represálias”, diz a Dra. Marília.
Com a auxiliar de pessoas Jane M., que prefere não ser identificada, aconteceu exatamente isso. Ela está com um processo contra a empresa onde trabalhava quando engravidou, na qual foi extremamente humilhada, mas a única pessoa que ia testemunhar a seu favor desistiu. “Tive a 1ª audiência, mas a recepcionista que trabalhava comigo e acompanhou tudo o que aconteceu desistiu do testemunho. A audiência foi adiada e estou aguardando a próxima, sem testemunha”, lamenta.
Jane começou a sofrer com as provocações logo após anunciar a gravidez. “O gerente a quem eu respondia começou a provocar situações onde tinham erros e me culpava, me intimava dizendo que se quisesse me mandaria embora, e dai por diante foi uma humilhação atrás da outra”, conta. Ela tentou procurar o dono da empresa, mas logo percebeu que a intenção dele também era pressioná-la para que pedisse demissão.
A situação da auxiliar chegou em um ponto em que o gerente arrumou uma desculpa, retirou o computador da sua mesa e bloqueou sua senha de acesso. “Depois de ficar uma semana impedida de trabalhar, o dono da empresa me retirou da sala onde eu estava e ordenou que eu passasse o resto da gestação na recepção com direito apenas de ir até a cozinha e banheiro”, conta Jane, que acabou pedindo demissão ao voltar de licença maternidade e ser rebaixada de cargo na empresa. Quando resolveu processar a empresa conversou com vários colegas de trabalho, mas ninguém quis colaborar por medo de perder emprego, apenas a recepcionista, que acompanhou tudo, mas acabou desistindo na hora do testemunho. Agora, Jane não sabe como irá provar as humilhações na próxima audiência.
A advogada Dra. Marillia Barbosa explica que as provas para instruir o processo são muito subjetivas, mas há outros meios de comprovar o assédio além do relato de testemunhas. “É indicado que se faça um registro diário de tudo o que acontece, quem presenciou, quem agiu, e como se sentiu, detalhando o dia a dia do trabalho, procurando coletar bilhetes do assediador, mensagens eletrônicas, documentos que comprovem o repasse de tarefas impossíveis de serem cumpridas ou inúteis, documentos que provem a perda de vantagens ou de postos, etc.”.
Pelas dificuldades de conseguir provas e até mesmo por medo de comprometer a vida profissional, muitas gestantes acabam desistindo do emprego e deixam de punir os agressores. Raquel, que prefere não se identificar, trabalhava de vendedora quando engravidou e logo começou a sofrer cobranças, ser ofendida por colegas e exercer funções que não eram suas. “Passei por enjoos quase toda a gravidez e ao chegar à empresa depois de passar uma hora dentro do ônibus, sempre passava mal e ouvia todos dizerem que era frescura. Meu trabalho passou a ser uma tortura, eu não me sentia bem naquela empresa. Tive hipertensão arterial, fortes dores de cabeça e os enjoos que não cessavam”.
Com sete meses pediu licença no serviço, pois sua gravidez estava correndo risco. “Meu filho nasceu no dia em que completou 36 semanas, abaixo do peso, com sofrimento fetal e crescimento intrauterino retardado, ficando logo após o nascimento na UTI neonatal”. Depois do nascimento prematuro do filho, decidiu largar o emprego já que o bebê precisava de cuidados especiais. E apesar de saber que as complicações foram devido ao estresse no ambiente de trabalho, decidiu não processar os agressores. “Pensei em processar a empresa, mas tive medo de me prejudicar profissionalmente. Hoje eu teria atitudes diferentes, procuraria uma orientação melhor e não aceitaria esse tipo de assédio moral, pois esses problemas quase custaram a vida do meu filho”, diz ela.
Além de se proteger contra o assédio moral, a gestante também deve conhecer seus direitos. A Dra. Marillia Barbosa, advogada trabalhista da Mello, Dabus e Rached Advogados, enumera abaixo os principais direitos da gestante:
- A garantia do emprego e o afastamento concedido através da Licença Maternidade é em razão da proteção ao nascituro, para que a gestante/mãe possa se recuperar do parto e cuidar da criança nos primeiros meses de vida.
- É proibida a dispensa arbitrária ou sem justa causa nesse período.
- A garantia do emprego inicia-se na confirmação da gravidez até cinco meses após o parto, ou, 150 dias conforme os ditames da alínea ‘b, II, artigo 10 do Ato das disposições constitucionais transitórias, Decreto legislativo nº 20 de 30/04/65.
- Atualmente há possibilidade de prorrogação do prazo de 150 para 180 dias, conforme Lei 11.770 de 09/09/2008, a empresa que estiver inscrita no programa empresa cidadã, o qual destina-se prorrogar 60 dias a duração da licença-maternidade prevista no inciso XVIII do caput do artigo 7º da Constituição Federal.
- Essa garantia se dá através da confirmação, a qual deve ser entendida no sentido da empregada demonstrar a gravidez ao empregador, pode ser através de atestado médico ou exame laboratorial.
- Somente a partir do momento em que a empregada demonstrar a gravidez ao empregador é que estará protegida.
- A comprovação deve ser feita durante a vigência do contrato de trabalho, do aviso prévio, ou, do aviso prévio indenizado para fazer jus à garantia de emprego.