O mundo está menos feliz e as pessoas mais ansiosas depois da pandemia
Isso é o que apontam algumas pesquisas, mas é possível identificar alguns fatores positivos e tirar proveito de situações que só conseguimos enxergar o negativo. Existe algo bom na ansiedade? Ela pode ser usada de alguma forma a seu favor? Com certeza sim. E a felicidade? O que traz felicidade? Um emprego dos sonhos, uma família estruturada? Viver em um país com boa infra estrutura, onde os governantes são dignos dos esforços da população? Ou precisamos de pouco para sermos felizes?
No relatório de Felicidade Mundial divulgado anualmente pela ONU envolvendo 150 países, o Brasil está em 38° lugar no ranking. O “World Happiness Report” corresponde ao período de 2019-2021. Para entendermos melhor este ranking, é emitida uma nota que vai de 0 a 10. O país que atingiu a maior nota foi a Finlândia, com 7,82, sendo o país mais feliz do mundo. Para chegar a esta avaliação, a ONU leva em consideração, além do PIB, um grau de medição específico chamado Felicidade Interna Bruta (FIB), que auxilia na medição do grau de desenvolvimento dos países. Para isso, são levadas em consideração outros seis fatores: Produto Interno Bruto brasileiro, suporte social, expectativa de vida, liberdade de escolhas, generosidade e percepção de corrupção. Em geral os fatores que mais explicam a felicidade são o PIB e o suporte social, como ter alguém para contar quando em necessidade. Neste estudo, o Brasil caiu pelo 7º ano consecutivo no ranking de países mais felizes. Em 2015, ele estava na 16ª posição e agora se encontra em 38º lugar. Olhando o copo mais vazio que cheio hoje em dia, somos menos felizes.
Um artigo recente da revista científica “The Lancet” mostrou que triplicaram as taxas de depressão e ansiedade na comparação entre 2019 e 2021. As pessoas estão psicologicamente mais doentes, com crises de ansiedade, dificuldade de foco, menos produtivas e consequentemente menos felizes. De novo vamos olhar o copo mais vazio: A pandemia trouxe infelicidade e deixou o mundo inseguro e ansioso.
“Pessoas mais infelizes, e mais ansiosas. Tudo um reflexo da pandemia que não dá para negar, mas vamos olhar o copo mais cheio que vazio? Enfrentamos realmente uma era de incertezas econômicas, com mercado de trabalho exigente, doenças e transtornos dos mais diversos, como cardiopatias, obesidade, síndrome do intestino irritável e ainda veio o coronavírus.” comenta Shana Wajntraub. A ansiedade bate à porta, é inevitável. Mas dá para tirar proveito disso, desde que a ansiedade seja controlada, acompanhada por profissionais qualificados, transformando algo que enxergamos só como negativo em um diferencial. “É possível usar esse estado para prever situações, para adotar um plano inteligente na solução de problemas. Transformar uma situação estressante em positiva, é usar a inteligência emocional no momento certo. Aprendendo a distinguir cada situação a ansiedade pode ajudar a pessoa a sair da inércia. Ela não paralisa, exalta a adrenalina e dá coragem, energia, consciência e confiança para fazer o que é preciso em momentos difíceis da vida.” complementa a psicóloga.
No caso da felicidade e da pesquisa que nos coloca em 38º entre 150 países, é perceptível que a nota tem diminuído gradativamente desde 2013, possivelmente em razão da piora de diversos índices sociais, como o aumento do desemprego, diminuição do poder de compra, piora na segurança alimentar e a maior percepção da corrupção. Mas ainda assim, surpreende que ocupamos o 38º lugar no ranking. Os casos de alguns países da América Central e do Sul são curiosos, como Brasil, Nicarágua, El Salvador ou Costa Rica. Estes países têm notas baixas nos 6 fatores avaliados, por exemplo, o Brasil está em 69º no PIB e 59º em suporte social, mas relativamente bem colocados no ranking de felicidade.
Enquanto isso, outros países têm índices muito melhores nesses 6 fatores e estão abaixo de nós no ranking de felicidade, como Portugal e Japão. Isso quer dizer que nesses países da América central e do sul, a percepção de felicidade é explicada por outros fatores não diretamente avaliados no relatório. Talvez seja algo da cultura ou das relações sociais mais calorosas, não é possível afirmar qual o motivo. Nesse momento, podemos apenas fazer conjecturas, mas quem sabe no futuro outros fatores venham a ser avaliados e poderão explicar tais diferenças.
Shana Wajntraub comenta outro ponto que esse relatório mostra e que é importante salientar é o quanto a pandemia nos tornou mais humanitários. Se por um lado estamos mais ansiosos, por outro aprendemos a olhar o mundo com mais bondade. Houve uma mudança de valores num modo geral. O relatório da ONU torna claro como a felicidade é um projeto coletivo, e não individual. Por isso, é importante que possamos nos solidarizar com o próximo em situação de vulnerabilidade, e que possamos atuar em nosso meio, nos locais onde trabalhamos, em nossa comunidade para garantir que as condições para o bem-estar psicológico seja garantido nesses locais.”
Doar para caridade, ajudar um estranho e voluntariado estão em alta, “especialmente a ajuda a estranhos em 2021, em relação a antes da pandemia, aumentou em todas as regiões do mundo, as pessoas estão trabalhando juntas para lidar com eles”. Felizmente, há o aumento na benevolência.
No final das contas podemos dizer que não é o suporte social que “segura” a felicidade no Brasil, já que esta avaliação não é das melhores e mesmo assim nos sentimos felizes. Mas certamente todos esses 6 fatores em conjunto são importantes para a felicidade, é provável que se nos saíssemos melhor em tais índices poderíamos ser mais felizes, segundo o ranking, do que já somos. É complexo tentar traduzir tais índices do relatório anual da ONU para medidas individuais ou no ambiente de trabalho, mas podemos pegar “pistas” com os fatores que são considerados relevantes para a felicidade e adaptá-los em nossa vida.
Shana Wajntraub finaliza esclarecendo que, pensando no ambiente de trabalho, é importante que tenhamos reconhecimento pelas atividades que desempenhamos, e parte disso ocorre por meio de salários adequados; além de termos suporte social de nossos colegas e chefes, que pode ser traduzido em relações de apoio e de estabilidade no trabalho, ou seja, que não nos sintamos ameaçados ou pressionados; a autonomia nesse ambiente, podendo colaborar em decisões, desde de poder decidir na organização do espaço, ou em como cumprir a jornada de trabalho, e que haja transparência nos processos de gestão e decisão no ambiente de trabalho, para que possamos ter confiança na empresa e na equipe.
Fonte: Shana Wajntraub é psicóloga com MBA em Gestão de Pessoas pela Universidade Federal Fluminense, pós- graduada em neurociências pelo Mackenzie. Mestranda em comunicação e análise de comportamento pela Manchester Metropolitan University- UK (Paul Ekman).