Doença grave que requer intervenção imediatada para evitar problemas que podem levar á morte
A hiperplasia congênita da supra-renal, também conhecida como hiperplasia adrenal congênita (HAC), é uma doença do metabolismo que resulta de um bloqueio enzimático na formação do cortisol. A endopediatra do Hospital Ana Costa, Juliana Martins Rodrigues Godoy, explica que é decorrente da incapacidade de produção do cortisol pela glândula supra-renal. “Em cerca de 90% a 95% dos casos, ocorre mutação no gene que codifica a enzima 21-hidroxilase e, devido à sua falta, há redução na secreção do cortisol”.
Além da deficiência da enzima 21-hidroxilase, responsável por até 95% dos casos, também há a forma perdedora de sal, que chega a uma média de 75% das ocorrências e que confere um caráter emergencial para tratamento.
Na deficiência da enzima 21-hidroxilase, há um aumento da secreção do hormônio estimulador hipofisário e a suprarrenal é superestimulada e aumenta a produção dos andrógenos, o que causa virilização precoce. “A deficiência da 21-hidroxilase é herdada na forma autossômica recessiva e ocorre na população em, aproximadamente, 1 de 15.000 nascimentos”, informa Juliana.
A virilização decorre da exposição a níveis mais altos de hormônios androgênicos. A endopediatra diz que os riscos da hiperplasia congênita da suprarrenal são a desidratação e ambiguidade genital, um defeito congênito quando um bebê nasce e apresenta órgãos sexuais externos sem definição.
Dra. Juliana explica que, em pacientes com deficiência da 21-hidroxilase, não ocorre a produção de níveis de cortisol, o que estimula a produção de hormônios controlados pelo hipotálamo e hipófise. “Isso resulta numa estimulação crônica da glândula supra-renal com consequente hiperplasia e aumento na produção dos precursores do cortisol e dos andrógenos”, explica.
O excesso de andrógenos no sexo feminino pode causar virilização pré-natal em graus variados, com a presença de genitália ambígua ao nascer e dificuldades na definição sexual. “A doença é responsável por aproximadamente 50% dos casos de genitália ambígua”, informa Juliana.
Já no sexo masculino, a virilização da genitália só ocorre mais tardiamente e o diagnóstico no período neonatal só é feito nos casos em que a síndrome perdedora de sal está associada com alto índice de mortalidade.
Ela explica que, na forma perdedora de sal, o mesmo defeito enzimático atinge também a síntese dos mineralocorticoides, que leva a uma deficiência na retenção de sódio. “Isso leva ao quadro de desidratação hiponatrêmica grave, desproporcional às perdas aparentes, frequentemente vômitos, e persistente perda de peso. Essa forma representa grande risco de vida para a criança a partir dos primeiros dias”, alerta a endopediatra.
Dra. Juliana diz que a presença de consanguinidade entre os pais, a existência de casos semelhantes na família ou de um irmão com puberdade precoce são de grande ajuda. ”A história de falecimento de um ou mais irmãos nos primeiros meses de vida com diagnósticos suspeitos e possível crise adrenal (vômitos, palidez, cianose, hipotensão e choque) sugere a hipótese da doença na forma perdedora de sal”, explica.
Uma criança com ambiguidade sexual em qualquer idade, mas especialmente o recém-nascido, deve ter o diagnóstico o mais rápido possível. “Não só pelos graves problemas emocionais gerados na família, mas também pela grande possibilidade da criança ter a forma perdedora de sal, o que representa sério risco de vida quando não tratada adequadamente”, alerta a endopediatra.
Dra. Juliana diz que todo recém-nascido com incapacidade para ganhar peso nos primeiros meses de vida deve ter sua genitália externa cuidadosamente examinada, visando o diagnóstico da forma perdedora de sal. “É importante lembrar que, nas crianças do sexo masculino com a doença, a genitália externa, em geral, é completamente normal”, informa.
A confirmação diagnóstica é feita por meio da dosagem plasmática dos precursores metabólicos que se “acumulam” na produção da supra-renal. “Não é possível prevenir a hiperplasia congênita da supra-renal”, afirma Juliana. A doença também pode ser detectada no Teste de Pezinho.
Tratamento daHiperplasia Adrenal Congênita (hiperplasia congênita da supra-renal)
O tratamento consiste em suprimir a produção excessiva de ACTH pela administração de doses substitutivas de glicocorticoide. “Em geral, usa-se o acetato de hidrocortisona ou prednisona, dividida em três tomadas por via oral, com a maior dose pela manhã”, diz a endopediatra.
Dra. Juliana ainda diz que se pode usar eventualmente outro derivado, mas há um maior risco de efeitos colaterais. “A dose não poderá inibir o crescimento, mas ser suficiente para impedir a produção excessiva de andrógenos que levam à virilização e resultam em aumento do clitóris, pelos pubianos, buço, acne, crescimento físico e maturação óssea acelerados”, explica.
Se a velocidade de crescimento e a maturação óssea estiverem aceleradas, a dose está insuficiente. Já se estão diminuídas, a dose é excessiva. “Nos momentos de estresse, na vigência de doenças febris ou traumatismo grave, as doses de glicocorticoide devem ser aumentadas”, afirma a médica.
Nas crianças que perdem sal, a associação do mineralocorticoide (Florinefe®) deve ser iniciada imediatamente. A correção cirúrgica da genitália deverá ser feita sempre que necessária, já nos primeiros meses de vida por um cirurgião experiente.