Reconheça situações que podem fazer com que crianças desenvolvam desgosto pela vida e como prevenir atitudes suicidas
Suicídio é um assunto repleto de tabus, medos e mitos, ainda mais quando envolve crianças. Talvez seja assustador pensar que elas possam ter comportamentos suicidas, mas vale lembrar que até os 7 anos de idade elas guiam suas decisões no pré-lógico, quando “certezas” oscilam entre a fantasia e a realidade. Como poderiam acreditar que a morte é irreversível se crescem rodeadas por super-heróis que voam e ouvem que gatos têm sete vidas? Difícil! Então, cabe às telas de proteção, aos itens de segurança e obviamente a nós adultos protegê-las.
Poucas estatísticas mapeiam o comportamento suicida infantil, entretanto, segundo um relato da instituição Fiocruz, 58 crianças brasileiras vieram a óbito entre 2006 e 2017 dessa maneira. Já um estudo organizado pelo Ministério da Saúde mostra que, entre 2002 e 2012, houve um aumento de 40% no número de suicídios na faixa etária de 10 a 14 anos, o que representa que a cada 300 tentativas, uma é consumada.
Em qualquer fase da vida, o suicídio está associado à tristeza, às situações conflituosas e ao desejo de dar fim a incômodos. Ele pode ser decorrente de questões como bullying, assédio sexual e moral, violências, traumas, estresse psicossocial e até implicações psiquiátricas. Além disso, a fase que engloba o final da infância e o início da adolescência é repleta de mudanças internas e externas que impactam intensamente o controle físico e mental.São emoções oscilando à flor da pele o tempo todo e pouca experiência em manter o equilíbrio.
Nesse contexto, a intolerância à frustração, a limitada habilidade para resolver problemas, a ansiedade e a falta de estratégias adaptativas em situações de estresse, por exemplo, podem desencadear comportamentos suicidas. Tudo isso junto e misturado é o que gera um ambiente hostil e adversidades que levam crianças a sentirem um fardo, o que resulta num baita sofrimento psicológico. Por essas razões, o mito de que a pouca idade não acarreta em capacidade cognitiva para se matar também deve ser desconstruído.
Além disso, é importante dizer que crianças podem dar sinais e fazer confidências aos seus amigos que querem morrer e até insinuar o desejo de dar um fim à sua vida com professores, mas raramente falam disso com familiares. É comum, após tragédias, relatos paternos como “Nunca deu uma pista” e “Sempre foi tão tranquilo”. Existe, portanto, uma relação evidente entre o risco de suicídio e a ausência de diálogo com os pais. Acredita-se que boa parte das crianças com comportamentos suicidas não recebam um suporte social adequado para lidar com os momentos difíceis. As barreiras para uma comunicação efetiva, sem dúvidas, tornam o comportamento suicida na infância silencioso. Ou seja, as crianças propensas ao suicídio, em geral, encontram-se sozinhas, isoladas e desamparadas.
É vital, então, que todos os adultos que convivem com crianças estejam alertas aos sinais que elas demonstram, visto que pouco reconhecem ou expõem seus sentimentos e emoções adequadamente. Entre os sinais de que suas vidas podem estar em risco, estão aspectos como cansaço extremo, irritabilidade, perda no interesse pelas atividades, queda no rendimento escolar, retardo no desenvolvimento, pensamentos pessimistas, desânimo, mudança no apetite, alteração no sono, incontinência urinária noturna, culpa excessiva e baixa autoestima.
A aceitação da família ao processo, entendendo que a criança está diferente, independentemente de risco de suicídio ou não, é fundamental para evitar qualquer espécie de frustração ou sentimento de culpa no futuro. Em resumo, toda alteração no comportamento de uma criança precisa ser devidamente observada e não pode ser confundida com uma fase de temperamento difícil, retraído ou algo “normal” da idade. Carinho, cuidado e atenção salvam vidas. Acredite.
Fonte : Helen Mavichian é psicoterapeuta especializada em crianças e adolescentes e Mestre em Distúrbios do Desenvolvimento pela Universidade Presbiteriana Mackenzie. É graduada em Psicologia, com especialização em Psicopedagogia. Pesquisadora do Laboratório de Neurociência Cognitiva e Social, da Universidade Presbiteriana Mackenzie. Possui experiência na área de Psicologia, com ênfase em neuropsicologia e avaliação de leitura e escrita.