A pesquisa ainda mostrou que os pais se consideram em melhores condições para assumir a criação dos filhos
Além da tradicional família, do casal vivendo sob o mesmo teto e criando juntos os filhos, o Brasil possui hoje várias outras formações. Uma delas, que representa apenas 1,8%, pouco mais de 881 mil unidades domésticas, segundo o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), é protagonizada pelo pai que, depois da separação, resolve “criar sozinho os filhos”. Foi essa configuração o objeto de pesquisa da assistente social Flávia Abade, em seu mestrado no Programa de Pós-Graduação em Psicologia da Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras de Ribeirão Preto (FFCLRP) da USP. A dissertação Famílias patrifocais: paternagem e socialização dos filhos foi orientada pelo professor Geraldo Romanelli.
Flávia conta que seu interesse repousou em investigar como vivem os pais que moram sozinhos com os filhos e que assumem as funções antes exercidas pelas mulheres na criação dos filhos. A pesquisadora, para ser mais específica sobre os motivos que levam a esta posição, excluiu os que ficaram viúvos, focando apenas nos que fizeram a opção de lutar pela guarda dos filhos na justiça ou que conquistaram essa condição na ‘partilha’ sem necessidade de ir aos tribunais.
Ela destaca que, na disputa judicial, o número de decisões em favor do pai é de apenas 5,6%. “É o avesso do problema da igualdade de gênero. Se em muitos aspectos da vida social e econômica, a mulher é prejudicada, nesse caso, na disputa judicial, a guarda é atribuída à mulher ‘simplesmente porque é’. Não é necessária muita fundamentação para convencer o poder judiciário”, afirma.
No relato dos pais pesquisados, diz Flávia, a sensação é de que em geral eles tomaram a decisão de assumir a criação dos filhos por se considerarem em melhores condições de exercer esse papel do que as mães. “Houve também os que disseram que não gostariam que os filhos convivessem com padrastos, o que lhes causava muita insegurança. Teve ainda o caso de uma das mulheres que era usuária de drogas, o que tornou a opção mais óbvia”, segundo a pesquisadora.
Alteração da identidade subjetiva
Outro achado do estudo é a “alteração da identidade subjetiva do homem” na formação familiar ‘patrifocal’ (formada por pai e filhos). Flávia considera esse um ponto positivo, pois “tira um pouco do estigma da masculinidade, de que o homem que é pai se restringe a ser provedor ou a autoridade em casa. E, ainda, cita, de não de assumir atribuições que historicamente foram mais femininas. Eles passam então a ocupar um lugar que foge a este padrão”.
Ela lembra que pela legislação brasileira, quando há separação “não é para o outro acumular funções, mas para os dois continuarem exercendo a ‘parentalidade’ ”. Segundo a pesquisadora, muitas vezes isso acaba não ocorrendo, nem com a mãe e nem com o pai. “O ideal é que a criança possa conviver com ambos, mas em alguns casos é a própria mãe que acaba se afastando dos filhos para formar outra família”, relata.
Por ter pesquisado famílias de baixo poder aquisitivo, Flávia conta que observou vários tipos de novos arranjos. “Quando tem uma filha mais velha, ela pode assumir funções da mãe no cuidado com os menores, mas como a maioria dos casos estudados envolvia crianças entre dois e três anos, a presença de outras mulheres da família, como tias e avós, também foi marcante na pesquisa”. Principalmente, diz, para cuidar das crianças enquanto o pai saia para trabalhar ou para outro compromisso. Para Flávia ainda é muito difícil, mesmo para homem que ocupa uma posição alternativa de cuidar sozinho dos filhos, assumir essa posição plenamente. “Ainda é algo muito forte a relação rígida de papéis entre homens e mulheres no plano da simbologia e das representações”.
A pesquisadora verificou nas respostas dos pais que, se tivessem condições financeiras eles ‘terceirizariam’ as tarefas domésticas, comprando comida pronta e mandando lavar a roupa fora, por exemplo. Mas percebeu também que eles têm a preocupação de preparar os filhos homens para serem independentes em relação às funções tradicionalmente femininas.
Outra das conclusões de Flávia é de que esses novos arranjos familiares — famílias ‘patrifocais’ — contribuem para uma maior igualdade de gêneros. Ressalta, no entanto, que os homens ainda têm um pouco de dificuldade de falar sobre esses temas domésticos. “Acho que ainda há um certo conforto para eles nessa situação histórica de se manter no poder e, com isso, uma certa dificuldade de perder essa posição”, observa. Ao ser questionada sobre como se sentem os pais nesse papel ‘patrifocal’, a pesquisadora é rápida e categórica: “muito satisfeitos, orgulhosos e felizes”.
Para obter mais informações sobre a pesquisa, envie email para pesquisadora Flávia Abade [email protected]