Damaris, que tem a guarda integral da filha no Brasil, luta há mais de um ano para conseguir rever a menina que está a 300km de Seul. Por conta do histórico de violência do pai, tanto a mulher quanto a menina têm medida protetiva no Brasil
Infelizmente, casos tristes se repetem. Mães que são separadas de seus filhos por companheiros de nacionalidades diferentes. Mulheres que, em geral, sofreram e denunciaram violência doméstica em outros países, relatam via-crúcis contra ex-companheiros que dispõem da Convenção da Haia de 1980 (acordo internacional com 103 países signatários) para ter a guarda das crianças.
É o caso da brasileira Damaris Cristine Lima Rodrigues e sua filha Louise de 6 anos com o sul-coreano Sang Hyun Kim, ex-companheiro. Em abril de 2022, Sang foi à casa de Damaris, em São Paulo, onde ela vivia com a filha, acompanhado de sua advogada, alegando que iria exercer o direito de visita. Damaris estava trabalhando e Sang disse para a babá que faria um passeio, sob a alegação de que ele não via ou convivia com a criança desde 2018. Entretanto, Sang sequestrou a menina e, sem o consentimento da mãe, fugiu do país com a criança, para fixar residência na Coreia do Sul, país que a criança até então não conhecia. Damaris, no entanto, possui a guarda unilateral da filha no Brasil.
Apesar de se tratar claramente de possível crime de subtração de incapaz, a justiça sul-coreana concedeu a guarda da filha ao pai, sem que a mãe sequer soubesse do processo ou fosse intimada para a audiência. Lembrando que Sang é réu em ação penal que tramita no Brasil por lesão corporal contra Damaris. Isso aconteceu quando ele desferiu facadas em Damaris enquanto ela segurava a filha no colo. Na ocasião da agressão, Sang foi preso em flagrante. Contudo, durante a liberdade provisória, ele fugiu para a Coreia do Sul. No momento, Sang e a filha estão em uma cidade localizada a cerca de 300 quilômetros de Seul, capital do pais asiático.
Ciente do caso, a senadora Mara Gabrilli (PSD-SP), que dedica boa parte do seu mandato parlamentar à causas humanitárias, defende as chamadas “mães de Haia” há anos.
Presidente da Comissão Mista Permanente sobre Migrações Internacionais e Refugiados, a senadora acionou, por meio de ofícios, ao menos sete instâncias, como o Ministério das Relações Exteriores, a Embaixada do Brasil em Seul, o Ministério da Justiça, a Autoridade Central Administrativa Federal do Brasil (ACAF), Autoridade Central Administrativa da Coreia do Sul, Consulado do Brasil na Coreia do Sul, Ministério das Mulheres e até companhias aéreas para facilitar a ida da brasileira para a audiência na Coréia do Sul, garantir apoio jurídico internacional para a mãe e parecer sobre a denúncia de violência sofrida pela brasileira e sua filha por parte do ex-companheiro sul-coreano.
Depois de tudo isso, Damaris conseguiu chegar à Coreia do Sul em meados de agosto deste ano para participar da audiência e tentar a guarda da filha. Na ocasião, mesmo tendo contratado um advogado sul-coreano para representá-la, foi negligenciada em sua defesa, pois o advogado permaneceu calado. A advogada paterna destratou Damaris, da mesma forma agiu o pai após a audiência.
Perante o juíz, a menina de 6 anos, negou-se a abraçar a mãe e não sorriu, embora tenha permanecido com o olhar fixo na mãe. Segundo Damaris, este foi um forte indício de alienação parental ou ameaça, uma vez que mãe e filha sempre mantiveram uma relação de amor, proximidade e confiança. Damaris, que conhece bem a filha e sempre foi a pessoa responsável pelo cuidar, relata ter visto nos olhos da filha o desejo de se aproximar.
Diante da situação de rever a filha, sem poder tocá-la, rever o ex-marido agressor, que fez com que ela revivesse o trauma da violência, e, ainda ter seu direito de defesa tratado com desprezo pelo advogado que deveria representá-la, Damaris passou mal desde a sua chegada no Tribunal do país estrangeiro.
Depois disso, a brasileira encontrou forças e se deslocou mais 300 quilômetros entre Seul e a cidade de residência de Sang, o pai da criança, por duas vezes para tentar encontrar a filha na escola, porém ela não estava. Foi até a casa do ex-marido, que recusou-se a recebê-la e bateu a porta em sua cara.
A decisão sobre a audiência ainda não foi concluída e Damaris voltou desolada ao Brasil no dia 30 de agosto por não ter tido oportunidade de estar com a própria filha. Ela também acionou as instituições responsáveis no Brasil e no país asiático.
Segundo dados da Conferência da Haia sobre Direito Internacional Privado, para cada dez casos de sequestro internacional de crianças, pelo menos sete são contra mães migrantes que eram as principais cuidadoras de seus filhos. Isso significa que mais de 2 mil mulheres expatriadas foram acusadas de sequestrar seus próprios filhos por ano na última década. Mas o caso de Damaris é inverso. O ex-companheiro sequestrou a criança da mãe brasileira, em solo brasileiro.
Geralmente é a mãe que volta com o filho à terra natal por motivos de violência doméstica, problemas financeiros e emocionais, em busca de refúgio e distância do parceiro.
Mulheres, e principalmente as crianças, são prejudicadas pelo texto inflexível do tratado, que não considera o contexto em que essas mães estão inseridas, desconsiderando que muitas vezes elas são as protetoras das crianças que convivem com genitores agressivos e abusadores.
Segundo o Ministério das Mulheres, o Brasil possui 376 casos envolvendo disputa internacional pela guarda de filhos de brasileiros com estrangeiros ou de brasileiros separados que vivem no exterior. Nessas situações, consideradas extremas, a mãe ou o pai podem perder os direitos imediatos, levando a Justiça brasileira a determinar que a criança retorne ao país em que residia. Atualmente no Senado, tramita uma proposta que pode mudar futuros casos: o Projeto de Lei 565/2022 tenta evitar que a Convenção da Haia de 1980 seja interpretada de forma desfavorável às brasileiras que sofrem agressão (tanto elas quanto seus filhos) em países estrangeiros. O texto estabelece que, havendo conjunto probatório mínimo apontando existência de situações de violência no país de residência, o magistrado brasileiro poderá qualificar a situação como intolerável. Neste sentido, em conformidade com a aplicação da Convenção de Haia sobre o Sequestro Internacional de Crianças em outros países, a legislação de cada país aponta em defesa da criança e do adolescente e também a legislação em defesa da mulher deverá ser considerada
Fonte: Assessoria Senadora Mara Gabrilli (PSD-SP)