Partes essenciais no sistema de adoção brasileiro, esses termos possuem significados distintos que se entrelaçam na atenção e proteção de crianças e adolescentes, como explica a Angaad (Associação Nacional de Grupos de Apoio à Adoção)
É importante entender a diferença entre Adoção, Acolhimento e Apadrinhamento | Foto: Divulgação|Freepik
No universo da Adoção, três termos frequentemente se entrelaçam, mas possuem significados distintos e papéis essenciais no sistema: Adoção, Acolhimento e Apadrinhamento. Ambos fazem parte de um conjunto que visa proteger crianças e adolescentes e lhes garantir o direito de conviver em família.
Apesar de certa proximidade entre eles, há um conjunto de diferenças e dúvidas acerca dessa cadeia que existe com a finalidade maior de garantir, em diferentes instâncias, o bem-estar e o futuro de crianças e adolescentes em situações de vulnerabilidade. Compreender as distinções entre eles é essencial, como aponta Jussara Marra, Presidente da Angaad (Associação Nacional de Grupos de Apoio à Adoção). “Enquanto na Adoção observamos o rompimento completo de vinculação jurídica com a família biológica e a formação de novos vínculos, de caráter perpétuos, com a nova família, o que se observa na família acolhedora é a provisoriedade e a clara intenção de prestação de serviço, por exemplo”.
Vamos entender o significado de Adoção
Assegurada pelo ECA (Estatuto da Criança e do Adolescente), a Adoção consiste no processo legal por meio do qual, após o rompimento de vínculos jurídicos com a família biológica, é transferido o poder familiar, também por meio de decisão Judicial, de uma criança ou um adolescente à nova família, conferindo todos os direitos parentais.
Se de um lado a ruptura de vínculos com a família biológica depende do julgamento de Ação de Destituição do Poder Familiar, de autoria do Ministério Público, do outro, para se tornarem pais e mães por adoção, os pretendentes têm, como primeiro passo, a habilitação para Adoção, procedimento que tramita no Fórum da Comarca em que os residem, sem a necessidade de constituição de advogado.
Ela tem início por meio do pré-cadastro realizado no site do Conselho Nacional de Justiça (CNJ) e é realizada pelos próprios pretendentes – basta acessar a aba do Sistema Nacional de Adoção e Acolhimento (SNA) e preencher o formulário. Neste ponto, serão fornecidos dados pessoais, seja em Adoção solo ou conjunta por pessoas casadas ou vivendo em união estável, indiferente da orientação de gênero.
“Ao finalizar, o pretendente recebe um número de protocolo que deve ser entregue ao Juiz responsável por processar o pedido de habilitação para somar os documentos listados no sistema. A depender do local onde resida, pode ser que a habilitação e, posteriormente, a Adoção tramitem perante a Vara da Infância e Juventude ou nas Comarcas em que não tenham varas especializadas”, detalha Cláudio Medeiros, Diretor Jurídico da Angaad.
Nesse ponto, é preciso compreender que nem todas as crianças e os adolescentes acolhidos estão com decisão de colocação em família adotiva. Cada caso é único e o primeiro passo a partir do acolhimento será a realização de estudo que visa avaliar a possibilidade de retornar, com segurança e garantia de seus direitos, à família de origem.
Essa volta, quando reputado possível, pode ser para o núcleo exato de onde saiu (pai e mãe ou apenas um deles) ou família extensa, como avós, tios ou uma pessoa com a qual tinha convívio, como o caso de uma madrinha. “Todas as possibilidades são contatadas e avaliadas sempre levando em conta o melhor interesse da criança e do adolescente”, explica Angélica Gomes, assistente social do Tribunal de Justiça de Minas Gerais e voluntária do GRAAU (Grupo de Apoio à Adoção em Uberaba).
Durante esse processo o acolhimento institucional ou familiar é uma medida que visa garantir sua segurança e o convívio coletivo e afetivo.
O que é Acolhimento?
Anteriormente chamado de abrigamento, o Acolhimento é uma medida de proteção implementada para crianças e adolescentes que, por algum motivo, foram retirados de suas famílias biológicas e repassados à tutela do Estado. Ele deve ser transitório e temporário, como previsto no Estatuto da Criança e do Adolescente, e pode se dar de diferentes formas. No modo institucional, o serviço é prestado pelo próprio Poder Público ou por entidades sem fins lucrativos, como Organizações Não Governamentais (ONGs) que recebem repasse de verbas, além de outras formas de financiamento.
Ao lado dessa forma, vê-se crescer no Brasil a regulamentação e implementação do Acolhimento Familiar, tendo sido elaborada, em janeiro de 2024, a Recomendação Conjunta n. 02/2024, do Conselho Nacional do Ministério Público, Conselho Nacional de Justiça, Ministério dos Direitos Humanos e Cidadania, Ministério do Planejamento e Orçamento, Conselho Nacional de Assistência Social e Conselho Nacional dos Direitos da Criança e do Adolescente, com vistas a fomentar a implementação do serviço de Acolhimento Familiar em mais Municípios brasileiros. A assinatura pública de referida Recomendação Conjunta aconteceu na abertura da 12ª. Conferência Nacional do CONANDA (Conselho Nacional dos Direitos da Criança e do Adolescente), realizada entre os dias 2 e 4 de abril deste ano, em Brasília/DF, onde a ANGAAD se fez representar por Jussara Marra.
Para se habilitarem como Famílias Acolhedoras, os interessados devem procurar o Judiciário e o Poder Público Municipal manifestando o interesse para a prestação do serviço. Eles passarão por triagem, oficinas de preparação e, ao final, estarão habilitadas para receberem, temporariamente, crianças ou adolescentes que poderão, ao final do período de acolhimento, retornar para suas famílias biológicas ou serem encaminhadas para adoção.
É importante entender que acolhimento familiar e adoção são institutos absolutamente distintos. Enquanto na adoção ocorre o rompimento completo de vinculação jurídica com a família biológica e a formação de novos vínculos, o que se observa na família acolhedora é a provisoriedade e a clara intenção de prestação de serviço como medida de política pública, assegurar afeto, cuidado e vivência familiar. “Vale ressaltar que famílias acolhedoras não podem se habilitar para adoção e, em hipótese alguma, poderão adotar as crianças e os adolescentes que acolherem”, diz Angélica.
A criação de vínculos, apesar de ser uma grande vantagem, também se mostra como o maior desafio do Acolhimento Familiar. A vinculação aqui, diferentemente daquela observada em processos de aproximação para adoção, terá sua natureza clara desde o início, no sentido de não se constituir como relação de parentalidade, mas de acolhimento e referência, tanto que, via de regra, não há necessidade de ser desfeita quando da adoção, sendo inclusive benéfica a proximidade da família acolhedora quando ocorrer a aproximação da criança ou do adolescente com os pretendentes à adoção.
Acolhimento familiar e adoção são institutos absolutamente distintos | Foto: Divulgação|Freepik
Apadrinhamento: Afetivo x Financeiro
O apadrinhamento afetivo é uma forma de oferecer às crianças e adolescentes que se encontram nas instituições de acolhimento a possibilidade de conviverem em família e comunidade durante o período de acolhimento institucional.
Previsto no ECA (art. 19-B), o apadrinhamento afetivo é uma política pública que não envolve a guarda nem a tutela legal da criança ou do adolescente, mas sim desenvolve uma relação de afetividade e referência no dia a dia. Mais do que apenas finais de semana, faz parte das atividades inerentes ao programa de apadrinhamento afetivo a realização de viagens, comemoração de datas festivas, acompanhamento escolar e o auxílio e suporte emocional, entre outras diversas atividades.
Ele visa propiciar a formação de vínculos afetivos seguros e pessoas dispostas a apadrinhá-las, criando uma relação de proximidade e afeto, além de orientação de estudos e de vida como um todo, dando suporte e auxiliando de diversas formas o afilhado, sem que ele passe a residir na casa dos padrinhos.
“Existe uma gama de obrigações e responsabilidades dos padrinhos com os afilhados, que passam a ter neles pessoas de referência positiva. Estabelece-se, a partir do apadrinhamento afetivo, verdadeira relação de amizade e confiança, razão pela qual a decisão de se inscrever é extremamente séria, havendo necessidade de disponibilidade emocional e de tempo a longo prazo”, reforça Jussara.
Os programas são regulamentados individualmente nas localidades em que são instituídos, podendo trazer, além das regras gerais previstas no ECA, outras exigências como idade mínima de 18 anos, não estar inscrito no cadastro de adoção, residir no mesmo município e participar das palestras e oficinas de formação, entre outras questões. O apadrinhamento deve ser estruturado e coordenado por profissionais capazes de gerenciar toda a complexidade envolvida no processo, tendo sempre como prioridade máxima o bem-estar da criança e/ou do adolescente.
Além do apadrinhamento afetivo, há também a possibilidade do apadrinhamento financeiro, no qual não há formação de vínculos, mas sim a destinação de verba ou bens para auxiliar o desenvolvimento de projetos e atividades de acolhimento. Nessa modalidade, a pessoa contribui financeiramente, seja na aquisição de itens que a criança ou o adolescente precisa, realizando o pagamento de cursos ou atividades ou destinando verbas para atividades a serem desenvolvidas pelas instituições de acolhimento.
“Também é possível oferecer serviços específicos, como tratamento odontológico”, lembra Angélica. “Mas nós valorizamos muito o afeto, pois o que as crianças e os adolescentes necessitam é do acesso a esse laço de amor, de alguém que ensine a atravessar a rua ou a ir a um restaurante. Coisas triviais da vida que dentro de uma instituição acabam acontecendo de uma maneira bem mais coletiva, sem a singularidade de cada indivíduo”, reforça.
Fonte: Angaad – A Associação Nacional de Grupos de Apoio à Adoção é uma organização da sociedade civil, sem fins lucrativos, que congrega e apoia os GAAs. Ela trabalha pela convivência familiar de crianças e adolescentes. Presente em todas as regiões do Brasil, a ANGAAD atua, desde 1999, de forma voluntária. Segue as diretrizes do ECA e representa os grupos junto aos poderes públicos e às organizações da sociedade civil, em ações que desenvolvem e fortalecem a cultura da Adoção.