Uso de contraceptivo após o parto não altera a quantidade de leite na amamentação
Estudo da USP Ribeirão comprova segurança de implante contraceptivo logo após o parto, para as mães e bebês. Implantar contraceptivo que libera o hormônio etonogestrel imediatamente após o parto não altera a quantidade de leite na amamentação. Essa era a informação que faltava para que a equipe da Faculdade de Medicina de Ribeirão Preto (FMRP) da USP, liderada pela professora Carolina Sales Vieira, comprovasse a segurança do método contraceptivo para as mães que necessitam sair da maternidade sem a preocupação de uma gravidez indesejada ainda na amamentação.
O estudo foi conduzido pela pesquisadora Giordana Campos Braga, aluna de doutorado do Departamento de Ginecologia e Obstetrícia da FMRP orientada pela professora Carolina, com 24 mães e seus recém-nascidos. Eles foram divididos em dois grupos: um em que as mães receberam o implante dentro das primeiras 48 horas após o parto e outro, o controle, cujas mães não receberam qualquer método contraceptivo.
Para a análise da quantidade de leite ingerido pelos bebês, a pesquisadora administrou deutério (D2O) – um hidrogênio da mesma família do hidrogênio da água que bebemos – por via oral às mulheres (todas as 24) no dia em que tiveram seus bebês, logo após o parto, e no 29º dia depois. “O deutério é seguro para mãe e para o bebê e é usado pela Organização Mundial de Saúde (OMS) para avaliar a amamentação”, comenta a pesquisadora.
Amostras de saliva, tanto das mães quanto dos bebês, foram coletadas antes e após a ingestão do deutério, e ao longo das seis primeiras semanas do pós-parto. Giordana explica que o deutério está presente em uma concentração de 0,015% no nosso corpo e, quando ingerido, ele se distribui uniformemente por todos os fluídos, como sangue, urina, saliva etc. Assim, escolheram a saliva, por ser mais prática para a coleta, e realizaram a medição, usando a técnica de espectrometria de massa. A partir da quantidade de deutério na saliva do bebê, estima-se a quantidade de leite materno que ele ingeriu.
A pesquisadora conta que essa medição é confiável, pois “conseguimos saber o quanto de deutério tinha na mãe e o quanto dele foi ingerido pelo recém-nascido”. Segundo ela, com essa técnica dá para detectar inclusive se o bebê ingeriu outro tipo de água além do leite materno, “nos dando certeza da amamentação exclusiva e se não houve erros na coleta ou na avaliação”.
Os resultados mostraram que a quantidade de leite materno ingerido pelos recém-nascidos foi semelhante nos dois grupos. O peso dos bebês também foi medido ao nascer e após seis semanas do parto. Essa medida também não mostrou nenhuma diferente entre os dois grupos estudados.
Segurança para a saúde da mulher
A equipe coordenada pela professora Carolina vem trabalhando, desde 2007, com planejamento familiar, especialmente envolvendo mulheres com doenças que precisam de métodos anticoncepcionais especiais ou com vulnerabilidade como as usuárias de droga.
O implante de etonogestrel é um método que existe no país há mais de 15 anos e apresenta a menor taxa de falha entre os anticoncepcionais disponíveis no mundo (cinco falhas em cada 10 mil mulheres versus cinco falhas em cada mil mulheres que fizeram laqueadura tubária, que muitos pensam ser o método mais eficaz disponível). Este implante tem a forma de um bastão de 4 centímetros (cm) e é colocado, com anestesia local, abaixo da pele do braço. Ele libera um hormônio chamado etonogestrel por três anos, protegendo contra uma gestação não planejada.
Normalmente, o implante é inserido seis semanas após o parto e, desde 2007, “iniciamos estudos para antecipar o momento de inserção do implante. Fomos o primeiro grupo no mundo a iniciar esta prática, que hoje é recomendada pela Organização Mundial de Saúde e pelas organizações mais importantes do mundo como o CDC dos Estados Unidos”, adianta a professora Carolina.
Em estudos anteriores, a equipe já havia mostrado a inserção do implante nas primeiras 48 horas do parto não afetava a saúde materna, a taxa de amamentação exclusiva e o peso dos bebês. Agora, revela, “complementamos estes dados de segurança desta prática, mostrando que o volume de leite ingerido pelo bebê também não se altera se o implante for inserido ainda na maternidade”.
Segundo as pesquisadoras, há estudos que evidenciam aumento de riscos à saúde da mãe e do bebê e até de mortalidade materna e infantil quando o intervalo entre as gestações de uma mulher é menor que 18 meses. Alerta a professora que, no Brasil, a taxa de gestação não planejada é de 54%, segundo dados de 2014 do estudo Nascer no Brasil, coordenado pela Fiocruz.
Assim, “começar um contraceptivo no pós-parto imediato reduz em 90% a chance de repetir a gestação em 1 ano”, continua a professora, já que “10 a 40% das mulheres perdem a consulta médica de retorno do pós-parto, momento em que oferecemos os métodos contraceptivos”. Em adolescentes, a taxa de uma nova gestação em um ano é de 30%. Muitas mulheres podem, então, engravidar nesse período. “Está aí a importância de se iniciar um método contraceptivo logo após o parto, caso a mulher tenha este desejo”, enfatiza Giordana.
As especialistas dizem que o implante não é custeado pelo SUS, apesar das recomendações favoráveis da Organização Mundial de Saúde e da Organização das Nações Unidas para a ampliação de oferta de métodos que não dependem da memória da mulher (como implante e DIU) para funcionarem. Existem alguns programas de governos municipais e estaduais, como os de DST/AIDS, que já oferecem essa opção em alguns serviços como os de Ribeirão Preto e Santos, cidades paulistas. Aqui em Ribeirão Preto, “ofereceremos o implante para as mulheres graças a uma parceria da Fundação Waldemar Barnsley Pessoa com a FMRP e a Secretaria de Saúde de Ribeirão Preto. No entanto, a nossa demanda é bem superior à nossa oferta”, comenta Carolina.
Os resultados do trabalho de Giordana acabam de ser aceitos para publicação pela revista Contraception.