Mestre em odontopediatria e especialista em pacientes com necessidades especiais orienta pais e responsáveis sobre a saúde bucal dos pequenos
O mapa atualizado da saúde bucal dos brasileiros aponta que a cárie dentária continua sendo o principal problema a ser solucionado nas visitas ao dentista. Segundo dados preliminares da Pesquisa Nacional de Saúde Bucal, 50,2% das crianças até cinco anos de idade já apresentam dentes cariados, situação que tende a piorar com o passar dos anos e que se estende até a fase adulta.
A saúde bucal ganha importância ainda maior quando falamos das pessoas com deficiência (PcD), especialmente das crianças, porque não conseguem realizar uma limpeza adequada sem ajuda. Situação que se agrava com a falta de orientação dos pais e dos cuidadores.
Há 30 anos atuando como odontopediatra com especialização em pacientes com necessidades especiais, Sandra Delgado Pagnoncelli acompanha essa realidade de perto. No seu consultório, em Porto Alegre (RS), já atendeu mais de 4.000 crianças, entre elas pacientes com deficiência motora, intelectual, síndromes e transtornos, como do espectro autista, conhecida como TEA.
Segundo Sandra, a cárie da 1ª infância é o diagnóstico mais comum em crianças entre zero e 12 anos atendidas em seu consultório. “No caso de crianças com deficiência, geralmente a procura é por orientação para uma higienização correta dos dentes e tratamento efetivo de restaurações que outros profissionais não conseguiram realizar, devido às condições desses pacientes”, explica a profissional que se tornou referência quando o assunto é a saúde bucal de PcD.
Formada pela PUC-RS onde é professora regente da disciplina de Estágio em Clínica de Bebê e Pacientes Infantis com Necessidades Especiais na graduação em odontologia, Sandra acredita que a prevenção é o caminho para garantir a saúde bucal das crianças. “Se toda a criança diagnosticada com alguma deficiência ou transtorno recebesse orientações odontológicas preventivas, evitaríamos sofrimentos futuros. A orientação geral é que os pais procurem o dentista com o surgimento dos primeiros dentinhos. No entanto, para crianças com deficiência indico ir antes, pois os profissionais envolvidos no atendimento – neurologista, psicólogos, terapeutas ocupacionais e nutricionista – devem ser orientados também, por causa da indicação de alimentos que provocam cáries na rotina dos pequenos”, orienta.
Para a professora, o atendimento odontológico deveria ser parte do tratamento interdisciplinar que esses pacientes recebem. Mas, na realidade, segundo ela, a parte odontológica é relegada a segundo plano, o que causa preocupação, pois a boca é a porta de entrada de infecções que podem mudar o quadro clínico de uma criança que já possui outras questões clínicas que podem evoluir para problemas mais graves.
A falta de dentistas para atender pacientes com necessidades especiais agrava ainda mais a situação. No Brasil, segundo o Conselho Federal de Odontologia (CFO), são 909 especialistas em PNE e no Rio Grande do Sul apenas 37, conforme dados do Conselho Regional de Odontologia (CRO-RS).
Tratamento humanizado
Atualmente, Sandra atende em consultório cerca de 100 crianças com TEA e na PUC-RS supervisiona PcDs atendidos por alunos das disciplinas que ela ministra. Ao longo dos anos, ela desenvolveu um método de atendimento personalizado baseado em dados científicos, mas também que requer muita percepção e análise, a partir da sua experiência profissional. “Como não existe um protocolo odontológico para crianças com espectro autista, por exemplo, o desenvolvimento de um tratamento precisa levar em consideração o contexto no qual a criança está inserida para um atendimento personalizado, de forma humanizada”, explica
A interação lúdica que funciona para as crianças denominadas neurotípicas e baseada na realidade, nem sempre funciona com as crianças com TEA. Por isso, é necessário utilizar técnicas de manejo comportamental e materiais odontológicos específicos que auxiliam no trabalho. Mas, o mais importante, segundo Sandra, é o tratamento humanizado. “Aprendi que nem sempre seguir os protocolos técnicos me leva ao êxito no atendimento de crianças com deficiência. Entender a história dessa criança, a partir de um questionário que envio por e-mail antes da primeira consulta, é o ponto de partida para conhecer melhor a estrutura familiar e mapear o espectro de cada paciente, pois são muitas variáveis envolvidas para o desenvolvimento de um plano de tratamento. É complexo, mas muito envolvente”, avalia.
Todo esse conhecimento adquirido em anos de trabalho dedicado aos pacientes especiais, Sandra aplica em cursos que ministra como forma de suprir a carência por profissionais para atender esse público. Ela formatou o trabalho OdontoTEA para o atendimento odontológico de crianças com o Transtorno do Espectro Autista e escreveu o livro Fundamentos Interdisciplinares do Atendimento de Pacientes com Necessidades Especiais em Odontologia. Também criou o projeto Sorrisos Especiais onde compartilha informações sobre os cuidados especiais que a odontopediatria oferece para a saúde bocal dos pequenos, com o objetivo de disseminar o conhecimento de forma didática e simples.
O objetivo é através da odontologia garantir a saúde bucal de inúmeras crianças, orientar seus familiares e responsáveis, nas mais diversas situações, buscando a prevenção como tratamento. “Com acompanhamento odontológico e uma orientação adequada aos pais e familiares é possível dar a esses pacientes um atendimento especializado e garantir qualidade de vida com a saúde bucal em dia”, enfatiza Sandra.
Como manter a saúde bucal das crianças em dia
A principal dúvida dos pais se divide em dois segmentos: preventivo ou curativo. O preventivo busca aconselhamento de higiene para o filho não ter cáries ou possibilidade de dor e, neste contexto, Sandra acaba introduzindo a questão importante da influência da dieta alimentar. O curativo busca a solução de fraturas, resolução de processo de cáries já existentes e soluções para o mau posicionamento dos dentes
Como forma de orientar os pais e responsáveis, a especialista elaborou as seguintes orientações:
- Crianças até 2 anos de idade não devem ingerir alimentos açucarados. O açúcar é o principal fator de risco para o surgimento de cárie. Evitar, não quer dizer necessariamente nunca comer. O açúcar faz parte de um contexto social que ainda deve ser mudado. Seu consumo correto está ligado ao fato da frequência, quantidade, e de como fazer uma higienização correta após o consumo desse alimento.
- Os dentes dos bebês devem ser escovados desde o surgimento do 1º dentinho de leite. É importante utilizar escovas de dentes com cerdas macias e de tamanho adequado à criança. A escolha da escova ideal deve ser feita com a orientação de um profissional.
- Usar pasta de dentes com no mínimo 1000ppm de flúor. A quantidade para bebês é de um grão de arroz. Para crianças maiores, o tamanho de um grão de ervilha. E aqui um alerta, não deixar a criança ter acesso ao tubo de pasta de dentes.
- Evitar a frequência alimentar durante o dia para que, em cada ingestão, a saliva não permaneça com o PH baixo.
- Evitar alimentos que “grudem” na boca, como bolachas e salgadinhos, pois favorecem a adesividade do alimento sobre o dente. Em crianças com deficiência esse é um problema devido à dificuldade de acesso à cavidade bucal por motivos diversos.
- Não ingerir alimento antes de dormir sem escovar os dentes depois. Durante a noite, diminuímos a quantidade de saliva na boca e os movimentos de língua, favorecendo a permanência e formação de placas.
- Passar fio dental antes da escovação da noite. Uma vez ao dia é suficiente e já existem fios dentais que facilitam o uso pela criança ou responsável, a partir de um suporte que elimina o uso dos dedos para enrolar o fio.
Realizar consultas odontológicas de controle, periodicamente, conforme o risco do paciente em desenvolver cárie.
Fonte: Odontopediatra com especialização em pacientes com necessidades especiais, Sandra Delgado Pagnoncelli