Educar é sobre se relacionar. Como os pais ou responsáveis vão se conectar com a criança é a base do desenvolvimento.
A relação com pessoas significativas refaz nossos circuitos neurais, influenciando o desenvolvimento físico, social, afetivo, comportamental e intelectual. Segundo a psicóloga Marcelle Alfinito, desde muito cedo o que evoca as interações e reações cerebrais mais intensas são os olhos. O olhar faz diferença.
“A neurociência mostra que por meio do olhar da mãe atenta, amorosa e vinculada a seu filho, a criança sente que é percebida por completo e isso forma a base para a capacidade de desenvolver empatia, compaixão e relações de profunda intimidade. É o que nos permite perceber os sentimentos dos outros e inclusive intenções”, explica Marcelle Alfinito, psicóloga especialista em psiquiatria e psicanálise com criança e adolescente.
As crianças em contextos desfavoráveis estão suscetíveis a apresentar problemas sérios de desenvolvimento. “Cabe lembrar que toda e qualquer questão de saúde mental é multifatorial. O vínculo afetivo influencia a tecelagem neuronal. Em função disso, não se pode falar em teorias puramente psicológicas. O paradigma da integração conecta biologia, psicologia e emoção. Reconhecendo o ser humano para além do biopsicossocial, inclusive”, afirma a psicóloga. Ou seja, as experiências vividas na época da gestação e dos primeiros anos de vida repercutem no desenvolvimento posterior e influenciam inclusive a expressão da carga genética.
“É a interação dos fatores ambientais no funcionamento dos genes que modela o desenvolvimento humano. O ambiente que estimula boa aprendizagem social e emocional, com cuidadores afetuosos e sensíveis, influenciam e liberam potencial genético positivo. Portanto, a educação modela o cérebro”, acrescenta Marcelle Alfinito.
Existem quatro grandes estilos parentais, teoricamente, que são: o autoritário, onde o elemento principal é o medo. Os cuidadores adotam um estilo de parentalidade baseado na coerção, no qual ações como ameaçar, xingar e humilhar são características marcantes. como consequência, a criança pode apresentar comportamentos agressivos, apresentando diversos problemas de conduta inclusive posteriormente, na vida adulta. O permissivo, que acaba sendo o contrário do autoritário, que acaba prejudicando o desenvolvimento de conceitos importantes como limite e respeito. o autoritativo (que pode ser chamado de participativo ou democrático) que é o mais assertivo, porque é baseado numa relação positiva, de respeito mútuo, numa relação horizontal. E o negligente, esse último sendo o que mais causa danos ao sujeito, associado a pior desempenho escolar, habilidades sociais prejudicadas e, posteriormente, até mesmo abuso de drogas e álcool, bem como comportamentos antissociais.
Para a psicóloga, há uma grande diferença entre ser autoritário e ser autoridade: “Ser autoridade para o seu filho não há problema algum, inclusive é bacana quando você tem alguém digno de ser copiado, que possui uma relação de respeito, afetuosa e sobretudo empática, que você admira, que você cria aí uma conexão muito grande com essa pessoa, que é alguém que vai te dar limites na vida sem violência física, psicológica ou moral. limites esses que a sociedade muitas vezes encara como algo que precisa ser violento de uma rigidez muito grande para dar limites, indo até mais para o lado violento. Então, são coisas que se misturam no decorrer do dia a dia com a criança”, explica Marcelle.
Dentre esses estilos de educação parental, as consequências de uma educação negligente ou autoritária podem se estender muito além da infância e afetar os relacionamentos e o bem-estar emocional na vida adulta. Crianças que crescem em ambientes negligentes, onde suas necessidades emocionais são constantemente ignoradas, podem desenvolver baixa autoestima, dificuldades em confiar nos outros e um maior risco de problemas de saúde mental, como depressão e ansiedade. “É importante deixar claro que não existe um estilo correto e que dificilmente os pais ou responsáveis vão exercer apenas um estilo, podendo haver variação entre os diversos estilos, no entanto, um destes estilos tende a dominar na relação e é justamente esse que irá influenciar mais o desenvolvimento da criança”, afirma a psicóloga.
Por outro lado, uma educação excessivamente autoritária, com punições severas e falta de diálogo, pode levar a problemas de comportamento, rebeldia e dificuldades em estabelecer limites saudáveis nas relações futuras. Esses indivíduos podem ter dificuldade em expressar suas emoções de maneira adequada e podem acabar reproduzindo esses padrões de comportamento em seus próprios relacionamentos.
É fundamental que os pais busquem um equilíbrio, estabelecendo limites claros com afeto e compreensão. Uma abordagem mais equilibrada e afetuosa, baseada no diálogo, na empatia e no respeito mútuo, permite que as crianças desenvolvam uma base emocional sólida, sentindo-se seguras, amadas e capazes de estabelecer relacionamentos saudáveis ao longo da vida. Isso não significa ser permissivo, mas sim encontrar um meio-termo entre o afeto e a disciplina, adaptando-se às necessidades individuais de cada criança.
Por isso, segundo Marcelle Alfinito, a palavra mais importante na educação parental seria conexão. “A conexão com seu filho, ela vai passar por esse olhar afetuoso, carinhoso, de escuta mesmo dos filhos, entendendo que os filhos vão ter inclusive uma autonomia moral na vida”, diz. Além disso, o principal fator para a construção da autoestima dos filhos é a autoestima dos próprios pais, porque essa criança vai precisar experimentar a aceitação dos seus pensamentos, sentimentos e valores pessoais, e é exatamente isso que os pais muitas vezes tentam controlar.
“Como se a criança fosse um papel em branco, algo moldável, que você vai ditar como ela vai ser, querer puxar ela ali para o que você faz na vida, então assim, a criança vai ter as características dela, terá necessidades desconhecidas pos nós e por vezes não ter a mesma visão sobre as situações, o filtro pelo qual essa criança vê essa situação será outro. vai ter que ser o mesmo que os pais? Isso não é verdade. Então, eu sempre pergunto: vocês conseguem ser empáticos com o filho de vocês?”, conta a psicóloga. Ainda segundo Marcelle, ser empático é diferente de ser simpático. Então, o pai, a mãe ou o responsável precisam estar abertos a escutá-lo, olhando, na verdade, pela perspectiva do filho e não pela do adulto, não é uma criação adultocêntrica que vai fazer com que esses pais se conectem com os filhos.
Uma forma de educar sem deixar reflexos negativos é impor limites, mas não se tornar um opressor. “São limites de forma, inclusive, afetuosa, você pode dar limites de forma afetuosa. Então, como você se comunica com seu filho, vai interferir na autoestima dele. Não use comunicação indireta, fale diretamente o que deve ser feito, por exemplo, o que não deve ser feito. Ir delimitando as opções que são negociáveis, por exemplo, com os filhos, cuidando da oscilação do comportamento dos próprios pais”, afirma Marcelle Alfinito. Ou seja, sem autoritarismo e violência, se constrói não apenas a autoestima dos filhos de uma forma bem mais significativa mas a própria relação entre eles.
E sobre a autonomia dos filhos, Marcelle aproveita para finalizar: “Os pais devem acreditar nos filhos em termos de desempenho e de comportamento, promovendo essa autonomia do filho, estando junto, guiando, mas não fazendo por ele. Não dá para querer fazer pelo filho e controlar o que ele vai pensar sobre as coisas, até porque quando a gente fala de uma família que tem mais de um filho, os filhos vão ser diferentes, mesmo sendo dos mesmos pais, mesmo sendo gêmeos, vão ser diferentes. E isso é super saudável, importantíssimo”.
Fonte: Psicóloga Marcelle Alfinito