Referências pouco convencionais são utilizadas por crianças psicóticas
Crianças com psicose são capazes de construir um conhecimento particular ainda pouco explorado, mostra estudo da psicanalista Izabel Abreu. A pesquisadora analisou casos clínicos de dois dos seus pacientes com um quadro de psicose infantil a fim de entender melhor a maneira como eles assimilam informação no contexto escolar. Os dados serviram de base para o mestrado “Como você sabe?”: o conhecimento e o saber na psicose infantil apresentado no Instituto de Psicologia (IP) da USP.
Orientada pelo professor Rinaldo Voltolini, a pesquisa buscou inicialmente discutir as maneiras como se dá o conhecimento e o saber e como é pautada a inclusão escolar dessas crianças. O interesse na educação, portanto, partiu de tratamentos clínicos já encaminhados por Izabel. “São garotos que produzem o conhecimento de modo particular já que se relacionam com a linguagem e nossas referências culturais de um modo particular também”, explica a psicanalista. Os tratamentos, iniciados na infância, continuam até hoje para esses pacientes.
O que é psicose?
Ao caracterizar a própria psicose infantil, Izabel esclarece que a ausência de referências de tempo e espaço é comum. Conceitos básicos e familiares a outras crianças já na escola, como mês, dia, longe e perto, precisam ser construídos cuidadosamente por aqueles que sofrem de psicose. A necessidade de se situar em meio à sociedade faz com que essas crianças desenvolvam iniciativas próprias para a produção de conhecimento. Izabel relata que seus pacientes encontravam segurança ao elaborar mapas da cidade de São Paulo, anotar diariamente a temperatura ou ainda traçar rotas de ônibus.
“Esses referenciais que podem soar estranhos servem de ancoragem para sujeitos que frequentemente encontram-se à deriva”, completa a psicanalista.
A pesquisa foi realizada em três partes. A primeira delas é composta por uma discussão teórica sobre a diferença entre o conhecimento e o saber, segundo a psicanálise. Izabel explica que, resumidamente, o saber se relaciona ao pensamento inconsciente e o conhecimento pode ser acumulado. A segunda parte explica o que é a psicose infantil a partir da teoria psicanalítica. Por último, a dissertação de mestrado articula os casos, as teorias e os impasses da inclusão na escolarização e no contexto coletivo.
Inclusão escolar
A questão da inclusão escolar também é polêmica e relativa entre crianças com psicose. A autora do mestrado defende que os casos dos pacientes precisam ser analisados individualmente. A presença de uma criança com psicose em um meio escolar regular depende da gravidade de sua condição e do acompanhamento de um psicólogo. Ao mesmo tempo em que alguns desses garotos se adaptam à lógica mais comum de aprendizado, outros podem se desorganizar muito com as demandas escolares.
Izabel diz que é muito difícil para as escolas regulares se encaixarem às individualidades desses alunos. A psicanalista tem consciência que, como alunos, as crianças com psicose tendem a não se destacar. No entanto, o interesse delas por detalhes, padrões e pela precisão fazem delas ótimas pesquisadoras. Essa habilidade pode ser mais bem explorada em escolas especializadas nesses casos.
Além disso, esses sujeitos se beneficiam muito do encontro com alguém que pode não saber, pois isso lhes dá a chance de construir seu próprio saber. No entanto, o acompanhamento terapêutico é necessário por permitir que esses garotos desenvolvam suas pesquisas acompanhados de alguém que dê sustentação ao saber deles de maneira apropriada.
Repercussão
Com seus estudos, Izabel pretendeu enfatizar a importância das pesquisas particulares que os psicóticos realizam, ainda mais no ambiente escolar. O assunto, pouco tratado, ajuda professores a levar em consideração que a construção do conhecimento desses jovens é particular e diferente. Os professores devem ser estimulados a dar sequência às perguntas pouco convencionais, que podem levar a criança psicótica a diversos outros raciocínios relevantes.
“A produção de um conhecimento próprio permite a essas crianças poder saber sobre si, poder saber fazer como o outro e a fazer frente a esse outro mais invasivo”, encerra a psicanalista.
Mais informações com a pesquisadora Izabel Abreu através do email[email protected].