Estudos recentes publicados na revista britânica Nature alertam para o fato de que crianças de famílias com dificuldades econômicas podem ter um vocabulário mais limitado, quando comparado ao repertório de crianças de famílias que não enfrentam esse problema.
Vários estudos conduzidos nos Estados Unidos, como os indicados no PubMed demonstraram uma forte evidência de conexão entre o nível socioeconômico da família e o ambiente onde são produzidas tanto a linguagem como também o desenvolvimento da fala nas crianças.
As razões para este fenômeno estão correlacionadas às preocupações ocasionadas pela situação de vulnerabilidade gerada por dificuldades econômicas vividas pelos chefes da família.
Dessa forma, pais e mães que não têm segurança sobre a capacidade de terem recursos financeiros à disposição para pagar suas contas, têm uma menor interação verbal com seus filhos do que as famílias que vivem situações menos desconfortáveis.
O comportamento de um pai ou uma mãe que chega em casa com preocupações (estresse e dúvidas sobre o futuro) tende a ser de expressar menos palavras. Certamente, em casos assim, passa a existir um desconforto pessoal e até certa vergonha. O estímulo para a interação verbal é reduzido e, portanto, a interação com os filhos, comprometida.
Outros estudos apontam não só para redução da quantidade de palavras faladas diretamente para as crianças, mas também na diminuição da qualidade das palavras e das frases. Tudo isso está diretamente conectado à existência de uma situação de vulnerabilidade financeira dessas famílias, definida pelo seu nível socioeconômico.
Como explicar esses fenômenos? As preocupações pelo estado financeiro da família disputam a energia que os pais teriam para dar atenção a brincadeiras, conversas ou outras atividades que deveriam aumentar o entendimento das crianças e de suas capacidades de expressão e fala.
Tem sido campo de estudos o fato de que pessoas com baixa capacidade de honrar seus compromissos têm um impacto na sua capacidade cognitiva. Suas habilidades para refletir sobre os problemas fica comprometida, o que pode atrapalhar a execução de inúmeras atividades e tarefas corriqueiras, até mesmo a capacidade da pessoa se organizar para buscar sair dessa situação.
A interação limitada com os filhos, nesse caso, também passa a ser reflexo desse impacto severo na vida das pessoas. Essa redução na interação verbal com os filhos não se dá na mesma intensidade ao longo do tempo. Dentro de um mesmo mês, o comportamento pode se alterar. Por exemplo: quando o pagamento (o salário ou até as ajudas de governo) chega, temos um aumento das falas dirigidas aos filhos e da capacidade deles de aquisição de linguagem. Em contrapartida, as interações voltam a se reduzir ao longo do próximo ciclo, em caso de manutenção da situação financeiramente instável, o que, infelizmente, parece ser o que mais acontece.
O tema é especialmente importante para os pais de crianças em idade de 1 a 3 anos, na primeira infância, onde o desenvolvimento da fala parece atingir seu auge, mas impacta as outras idades também.
Muitos estudos têm trazido mais luz a esses temas e nos levam a refletir sobre o imenso problema que as dificuldades financeiras podem causar às nossas famílias e às nossas crianças.
E a educação financeira com isso? A Educação Financeira parece não ajudar as famílias com maiores dificuldades de ter a garantia de sustento diário. Para esses casos, é preciso urgentemente focar em políticas públicas eficazes que ataquem esse problema em diversas formas.
Mas, para alguns grupos de maior renda, onde a desorganização financeira, o excesso de dívidas e até a falta de controle levam a comportamentos semelhantes em casa. Portanto, podemos defender que investir tempo em aprender sobre o tema ajudaria muito.
Fonte: João Victorino é administrador de empresas e especialista em finanças pessoais. Formado em Administração de Empresas pela Universidade Ibirapuera e MBA pela FIA-USP.