Especialista fala sobre a evolução da farmacêutica e alerta que, assim como medicamentos alopáticos, os naturais também possuem posologia e tempo de uso adequados
As aulas de anatomia e fisiologia sempre me impressionaram, pois passei a entender melhor o corpo humano e seus processos. No livro O Milagre da Imperfeição, o saudoso dr. Romeu Carillo Jr destaca essa “unidade complexa” que somos, onde os “sistemas funcionais são organizações dinâmicas e autorreguladoras, cujos componentes estruturais integram-se com a finalidade de atingir resultados adaptativos úteis para os próprios sistemas e para todo o organismo”. Assim, pelo fato de nosso corpo estar buscando equilíbrio o tempo todo, está também em constante vigília, com diversos processos a serem iniciados caso algo dê errado ou se formos atacados por agentes externos. Em algumas circunstâncias, quando há algo novo a ser aprendido ou quando nossos meios não são suficientes precisamos recorrer aos medicamentos.
A história dos medicamentos é tão antiga quanto a humanidade. Hortos botânicos para cultivo de plantas medicinais e boticas para a sua preparação são muito citados na literatura. Mas foi só a partir do século XVIII que muitas inovações botânicas e farmacêuticas aconteceram. A descoberta dos primeiros princípios ativos ocorreu no século XIX. A análise química progrediu e o arsenal terapêutico foi ampliado. Ao longo do século XX, a difusão de matérias primas sintéticas, melhoramento de formas terapêuticas, pesquisas científicas mais aprofundadas nos encaminhou até os dias de hoje, quando, em velocidade espantosa, observamos os grandes avanços da farmácia.
Paralelamente, a medicina botânica também foi e continua sendo objeto de pesquisas. Já se encontram publicados quatro mapas de efetividade clínica de plantas medicinais1, cujo objetivo é dar acesso a essas evidências. Existem vários profissionais que se dedicam ao estudo da fitoterapia, e o ideal seria que as pessoas recebessem orientação adequada deles, mas ainda hoje existe a crença do “só porque é natural, mal não faz”.
Produtos se multiplicam no mercado: cápsulas que prometem emagrecimento rápido, que resolvem as dores das articulações, “soluções” para os mais variados propósitos. Dentro dessa lógica mercadológica não existe espaço para a individualidade de cada um. As plantas têm contraindicações, podem interagir com medicamentos, cada uma delas têm a quantidade diária indicada, tempo de uso e as opções são muitas: a escolha de qual delas utilizar parte de saber quem é a pessoa que fará o uso, com suas particularidades, dentro de um histórico de saúde que foi sendo construído ao longo do tempo. Esse olhar integrativo possibilita não só a utilização adequada para uma determinada questão, como também a melhora da qualidade de vida, já que a planta não tem um único princípio ativo e atua em vários sistemas corporais.
Para exemplificar, a camomila, muito conhecida na medicina popular por seus efeitos calmantes, também tem atividade anti-inflamatória, dermatológica, antimicrobiana, antiespasmódica, entre outras. O emprego de infusão (chá) não apresenta riscos nas doses de até 240 ml a cada 6/8 horas. Infusões muito concentradas podem provocar vômito e em superdosagens podem provocar náuseas, agitação e insônia. Uma pessoa pode tomar chá de camomila todos os dias? Pode. Mas é o ideal? Existem outros chás que poderiam ser utilizados, de tempos em tempos.
O extrato de própolis, cuja utilização diária é muito comentada pelo estímulo do sistema imune, é contraindicado para pessoas com alergia a abelhas e, durante a gravidez e a lactação, só deve ser usado sob prescrição médica. Existe o própolis verde, vermelho e marrom. Saber qual é a melhor opção e a dosagem exige um pouco mais de conhecimento das necessidades de cada pessoa.
A utilização racional da fitoterapia não prevê somente o uso de plantas quando a pessoa está doente ou debilitada, mas também para a prevenção, que pode ser feita de forma agradável e simples, usando ervas apropriadas em nossa alimentação, deixando os pratos mais saborosos e saudáveis. Há uma imensa variedade de formas de utilizar a fitoterapia em nossas vidas, assim como a aromaterapia e terapia floral, que são outros ramos da Medicina Botânica.
A nossa reflexão está na utilização imprópria, balizada em sintomas ou necessidades estéticas, sem a correta avaliação. Está em não se tirar conclusões vendo os detalhes, olhando a parte fora do todo, motivo pelo qual o foco deve ser sempre a pessoa em sua complexidade e singularidade. Assim, é muito importante ter cuidado com marcas que recomendam o uso diário e prolongado de óleos essenciais, chás e extratos. Observe também se o produto tem a devida autorização da Anvisa.