. Aprenda 8 estigmas que devem ser extintos na comunicação com e sobre os portadores de Down
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Cláudia*, uma jovem de 30 anos com Síndrome de Down, foi ao pronto-socorro para tratar de uma infecção de pele. Depois de receber a prescrição do tratamento à base antibiótico, foi surpreendida por um atestado médico dizendo que ela “deverá ficar afastada das atividades habituais devido a seu transtorno mental”.
Esse relato assusta, mas não só retrata o cotidiano de quem tem a síndrome, como reafirma a importância do tema escolhido para homenagear o Dia Internacional da Síndrome de Down, dia 21 de março: “End the Stereotypes”, traduzido como sugestão para o português do Brasil como “Chega de Rótulos”.
A Dra. Anna Bohn tem uma visão sobre o assunto. Ela é Pediatra Pós-graduada em Síndrome de Down pelo Centro de Estudos e Pesquisas Clínicas da Faculdade de Medicina do ABC (CEPEC – FMABC), com MBA em gestão de saúde pelo Hospital Israelita Albert Einstein e Vice-presidente do Núcleo de Estudos da criança e adolescente com deficiência, da Sociedade Paulista de Pediatria. “Rótulos ou estereótipos reduzem o indivíduo a alguma característica e, geralmente, escondem algum preconceito. Eles podem conter uma ideia positiva, negativa ou neutra, baseadas em alguma experiência pessoal ou informações limitadas a respeito de uma condição”, avalia a especialista.
Com base em sua vivência muito próxima a essa causa, a médica elaborou uma lista dos 8 piores rótulos que devem chegar à consciência da sociedade para que tais hábitos sejam extintos do diálogo social e da própria avaliação de pessoas portadoras da síndrome:
- Reduzir a pessoa com Síndrome de Down à sua condição genética. O exemplo de Cláudia*, do início, exemplifica essa conduta. “Os erros e o preconceito contidos nesse documento são inúmeros, mas gostaria de ressaltar que transtorno mental e deficiência intelectual, algo que está presente na Síndrome de Down, são elementos absolutamente diferentes”, corrige a pediatra. Ela lembra ainda que a situação clínica que motivou a procura pelo PS nada teve a ver com alguma deficiência intelectual, muito menos com algum possível transtorno mental. “Por que, então, correlacionar esses elementos justificando a ausência no trabalho?”, questiona a Dra. Anna.
- ‘Ele/Ela é um anjo’. “Esta fala esconde um pensamento caritativo, de dó ou pena, que muitos sentem em relação a estes indivíduos. A sociedade não os enxerga como anjos, logo, se referir a quem tem Síndrome de Down como tal esconde uma tentativa de amenizar a forma como as pessoas costumam enxergá-los”, evidencia a médica.
- ‘Eterna criança’. A infantilização é uma forma frequente de olhar as pessoas com alguma deficiência ou síndrome, inclusive pelos próprios familiares. Ela costuma aparecer no excesso de proteção e medo de que sofram. “Infantilizar essas pessoas impede que elas construam autonomia e independência e as deixa mais suscetíveis à violência, como abuso sexual”, ensina a especialista, que orienta: “Empoderar, construir autoestima e ensinar os limites do corpo e do respeito são essenciais para amadurecer e crescer”.
- ‘Mongol, retardado(a)’. Termos pejorativos são frequentemente usados para se referir a pessoas com Síndrome de Down, mas também são usados como xingamentos. “Esta forma mais óbvia de preconceito deve ser combatida sempre”, reivindica ela.
- Desconsiderar a autonomia da pessoa com a síndrome. Ir ao médico e os profissionais perguntarem e se dirigirem somente ao familiar que acompanha a pessoa: “o preconceito vem, muitas vezes, neste formato pouco conhecido e trazido por quem deveria sempre cuidar, profissionais da saúde. Com frequência, médicos presumem erroneamente que pessoas com Síndrome de Down não podem dizer o que sentem ou o que querem para sua saúde e corpo”, revela a Dra. Anna. Ela conta que é comum eles serem deixados de lado, ficando a família na função de responder toda e qualquer pergunta ou tomar decisões. “Além da sobrecarga do cuidador, esse processo piora o cuidado médico e a experiência do paciente, que muitas vezes não recebem nem ao menos um cumprimento”, afirma.
- ‘Eles são hipersexualizados sempre’. Educação sexual e orientação sobre sentimentos e sensações são essenciais para prevenção de abuso e para entender o limite e o respeito com o corpo. “Entender esses aspectos faz com que nos demos conta sobre comportamentos adequados ou não na vida adulta. Quando privamos as pessoas com Síndrome de Down destas conversas abrimos espaços para que falas e atitudes apareçam em momentos inadequados. A sexualidade faz parte de todos. Não seria diferente para quem tem deficiência”, orienta a médica.
- ‘Eternamente dependentes’. “Essa ideia equivocada é repetida sem conhecimento dos avanços em saúde e inclusão atuais. Os cuidados com a saúde de quem tem Síndrome de Down, estímulos adequados às suas necessidades e a luta pelo direito à educação fizeram com que, nas últimas décadas, muitos alcançassem o ensino em escolas regulares até seu término, o ingresso em escola superior, maior autonomia para sair sozinhos, dirigir carros, entre outros aspectos da vida cotidiana tidas como corriqueiras mas que por muitos anos não era vista”, diz a Dra. Anna.
- ‘Crianças especiais’. Na mesma temática do preconceito com viés de caridade, chamar pessoas com deficiências de “especiais”, quando, na verdade, não se enxerga suas questões como algo que se destaca positivamente, perpetua a ideia de que muitos têm pena pela condição, na visão da Dra. Anna.
“Neste 21 de março de 2024, desejo que pensemos no papel dos rótulos como centrais na perpetuação do preconceito com as pessoas com Síndrome de Down, que travam sua construção de autonomia e inclusão da sociedade”, finaliza a médica.
*nome fictício.
Fonte: Dra. Anna Bohn – Pediatra Pós-graduada em Síndrome de Down pelo Centro de Estudos e Pesquisas Clínicas da Faculdade de Medicina do ABC (CEPEC – FMABC), com MBA em gestão de saúde pelo Hospital Israelita Albert Einstein e Vice-presidente do Núcleo de Estudos da criança e adolescente com deficiência, da Sociedade Paulista de Pediatria.