O Autismo é uma deficiência?
Dia 2 de abril é o Dia Mundial de Conscientização sobre o Autismo. A data foi criada pela Organização das Nações Unidas (ONU) e tem como objetivo conscientizar sobre a necessidade da eliminação da discriminação e do preconceito, além de levar informação para a população.
Muito se questiona se as pessoas com Transtorno do Espectro Autista são consideradas pessoas com deficiência. A reflexão que se pretende fazer no presente artigo para responder tal indagação é uma reflexão jurídica e não médica.
As pessoas autistas, sob o ponto de vista jurídico, são consideradas pessoas com deficiência nos termos do artigo 1, parágrafo 2 da Lei 12.764/12. Por consequência, os seus direitos são garantidos pela Lei que Institui a Política Nacional de Proteção dos Direitos da Pessoa com Transtorno do Espectro Autista (Lei 12.764/12), pela Lei Brasileira de Inclusão ou Estatuto da Pessoa com Deficiência (Lei 13.146 de/15), pela Convenção Internacional dos Direitos das Pessoas com Deficiência (incorporada pelo Brasil com status constitucional), dentre outras legislações.
Adentrando ao conceito de deficiência para o Direito Brasileiro, esclarece-se que o modelo adotado na atualidade – tanto em âmbito interno como em âmbito internacional – é o modelo social de deficiência, em superação aos modelos da prescindência e médico reabilitador. O modelo vigente possui dois pressupostos básicos.
Autismo: um problema da sociedade
O primeiro pressuposto é de que as causas que originam a deficiência não são religiosas e nem científicas, mas preponderantemente sociais. Ou seja, a raiz do problema não está nas limitações individuais do ser humano, e sim nas limitações da própria sociedade que não consegue prestar serviços apropriados e garantir que as necessidades das pessoas com deficiência sejam levadas em consideração dentro da organização social.
O segundo pressuposto refere-se à importância da pessoa com deficiência para a comunidade em que ela está inserida. Partindo-se do raciocínio de que toda a vida humana é igualmente digna, entende-se que as pessoas com deficiência têm muito a contribuir para a sociedade, ou que, pelo menos, a contribuição será a mesma que o restante das pessoas sem deficiência. Considerando que as causas que originam a deficiência são sociais, então as soluções não devem ser direcionadas individualmente à pessoa afetada, mas sim à sociedade. Desta feita, o modelo social defende a reabilitação ou normalização de uma sociedade – e não de pessoas com deficiência – que precisa ser pensada e projetada para atender as necessidades de todos.
Portanto, com o advento do modelo social, a deficiência passa a ser estudada não apenas no campo da medicina, mas também no campo da sociologia, pois agora ela é a resultante da combinação entre as limitações corporais do indivíduo e a capacidade da sociedade em que ele está inserido para incluí-lo ou não. É o contexto social que gera a exclusão e a solução da situação passa por uma sociedade acessível para todos os seus membros.
Menos barreiras, mais igualdades
Desta forma, a deficiência passa a ser vista como a resultante da interação entre as características individuais do sujeito mais as barreiras existentes na sociedade em que ele está inserido e que atrapalham ou impedem o gozo de seus direitos e deveres de forma plena. As pessoas autistas possuem impedimentos que, em conjunto com as barreiras sociais existentes, podem obstruir a sua participação em igualdade de condições com as demais. Os impedimentos das pessoas com transtorno do aspecto autista possuem dois critérios diagnósticos: (I) Déficits persistentes na comunicação social e na interação social em múltiplos contextos; (II) Padrões restritos e repetitivos de comportamentos, interesses ou atividades.
Ainda de acordo com a literatura médica especializada, cerca de 50% das pessoas autistas apresentam deficiência intelectual associada. Os sintomas devem estar presentes precocemente no período do desenvolvimento, embora seja possível o diagnóstico tardio. Ademais, os sintomas podem causar prejuízos clínicos no funcionamento social, profissional e em outras áreas da vida.
Sendo assim, não são as pessoas autistas que precisam se normalizar, mas sim a sociedade que precisa atuar na eliminação de barreiras de forma a possibilitar a inclusão social delas.
Conclui-se, portanto, que com base no conceito de modelo social de deficiência trazido pela Convenção Internacional das Pessoas com Deficiência e pela Lei Brasileira de Inclusão, a pessoa com Transtorno do Espectro Autista pode ser considerada pessoa com deficiência. E é dever de todos nós travar uma luta incansável por uma sociedade diversa que elimine as barreiras existentes, reconheça a diferença dos grupos e permita que todos participem ativamente dos diversos espaços, seja escolar, no mercado de trabalho, de lazer, no acesso à saúde, dentre outros.
Fonte: Flávia Albaine – Graduada em Direito pela Universidade Federal do Rio de Janeiro. Especialista em Direito Privado pela Universidade Estadual do Rio de Janeiro. Mestra em Direitos Humanos e Acesso à Justiça pela Universidade Federal de Rondônia com pesquisa no tema sobre atuação estratégica da Defensoria Pública em prol da inclusão social de pessoas com deficiência. Membra da Comissão dos Direitos das Pessoas com Deficiência da Associação Nacional das Defensoras e Defensores Públicos. Conselheira Estadual e Nacional do ONDA Autismo RO. Colunista de Direitos Inclusivos da Revista Cenário Minas.