Grupo de bactérias pode estar associado ao desenvolvimento da endometriose, segundo estudo publicado no periódico Science Translational Medicine, que também apontou o uso de antibióticos como uma abordagem eficaz no tratamento da condição.
Destaques:
* Estudo mostrou que pessoas com endometriose são mais propensas a hospedar bactérias do gênero Fusobacterium.
* Essa é uma nova teoria para o desenvolvimento da doença, que até então era relacionada à menstruação retrógada.
* Experimentos em camundongos mostraram que antibióticos podem reduzir tamanho e número das lesões endometriais.
Estima-se que uma em cada 10 mulheres brasileiras sofrem com endometriose atualmente, de acordo com dados do Ministério da Saúde. Causa de infertilidade e dor pélvica severa, a endometriose, infelizmente, ainda tem causa desconhecida e, logo, não tem cura, com as opções de tratamento, que são limitadas, servindo para aliviar os sintomas e controlar a doença. Mas uma descoberta publicada em junho no periódico Science Translational Medicine pode revolucionar esse cenário: “Os pesquisadores descobriram que a endometriose pode estar relacionada a infecções por um grupo específico de bactérias conhecido como Fusobacterium. Essas bactérias comensais podem ser encontradas, por exemplo, na cavidade oral, no intestino e no trato vaginal e já foram associadas a outros tipos de doenças, como gengivite e periodontite”, explica o Dr. Fernando Prado, especialista em Reprodução Humana, Membro da Sociedade Americana de Medicina Reprodutiva (ASRM) e diretor clínico da Neo Vita.
Até hoje, a teoria mais aceita para explicar o desenvolvimento da endometriose é a da menstruação retrógada, definida em 1927 pelo ginecologista John Sampson, que, após quase 100 anos, ainda não foi provado errado. “A teoria da menstruação retrógada diz que a endometriose ocorre quando as células do endométrio, mucosa que reveste a parede do útero, não são devidamente expelidas durante a menstruação, apresentando um ‘fluxo retrógrado’ através das tubas (trompas) uterinas e se espalhando pelo aparelho reprodutivo e até mesmo por outras regiões como intestino, apêndice e bexiga”, explica o Dr. Fernando Prado. O presente estudo propõe, então, uma possível nova maneira de se pensar e tratar a condição.
Para o estudo, os pesquisadores analisaram o tecido endometrial de 155 mulheres japonesas com e sem endometriose e observaram que 64% das pacientes com a doença apresentavam bactérias do gênero Fusobacterium, contra 7% daquelas que não possuíam a condição. Além disso, para verificar se esses microrganismos poderiam afetar diretamente o curso da endometriose, os cientistas transplantaram tecido endometrial de um grupo de camundongos para a cavidade abdominal de outro grupo. Em semanas, lesões endometriais se formaram nos animais receptores. Assim, verificou-se que as lesões da doenças tendem a ser maiores e mais abundantes em camundongos inoculados com Fusobacterium.
A descoberta permite que novas abordagens terapêuticas sejam estudadas no tratamento da doença. “Hoje, a endometriose pode ser tratada com de terapia hormonal para controle do quadro e intervenção cirúrgica para remoção das lesões”, detalha o médico. A equipe responsável pelo estudo, inclusive, tratou os camundongos utilizando antibióticos (metronidazol e cloranfenicol) com administração vaginal, o que se mostrou eficaz na redução do tamanho e número das lesões da doença. “O tratamento com antibióticos seria extremamente benéfico para ajudar as mulheres que sofrem com dor severa devido à condição e também aquelas que desejam engravidar, visto que, na endometriose, as células do endométrio se espalham pelo aparelho reprodutivo, dificultando desde a fertilização do óvulo até a implantação do embrião, com consequente prejuízo a fertilidade”, destaca o Dr. Fernando. No entanto, ainda são necessários testes para verificar se os antibióticos seriam capazes de aliviar os sintomas em mulheres, o que já está sendo realizado pelos cientistas.
Além disso, é importante ressaltar que o estudo possui limitações, como a amostra restrita a mulheres japonesas. Mas os pesquisadores estão trabalhando para criar um repositório de amostras mais diverso em etnias e gêneros. “Mais pesquisas sobre o tema são então necessárias, principalmente pelo fato de os camundongos servirem apenas como modelos da condição, já que não menstruam ou formam espontaneamente lesões endometriais. Além disso, enquanto o estudo com camundongos é focado em lesões nos óvarios, em humanos essas lesões podem ser formadas em diversos locais do corpo, inclusive na bexiga e no cólon. Até lá, para essa paciente que sofre com a doença, o melhor é consultar um ginecologista, que poderá indicar o melhor tratamento para cada caso entre as opções disponíveis hoje. E, caso haja o desejo de engravidar, o ideal é buscar por um especialista em reprodução humana”, finaliza
Fonte: Dr. Fernando Prado – Médico ginecologista, obstetra e especialista em Reprodução Humana. É diretor clínico da Neo Vita e coordenador médico da Embriológica. Doutor pela Universidade Federal de São Paulo e pelo Imperial College London, de Londres – Reino Unido. Possui graduação em Medicina pela Universidade Federal de São Paulo, Membro da Sociedade Americana de Medicina Reprodutiva (ASRM) e da Sociedade Europeia de Reprodução Humana (ESHRE). Instagram: @neovita.br