Erros conceituais em relação a alergia às proteínas do leite de vaca e à lactose.
Estudo feito na Unifesp aponta que maioria dos pediatras e nutricionistas prescreve produtos considerados inadequados para crianças com alergia ao leite de vaca. Um terço dos médicos confunde alergia com intolerância à lactose.
Os pediatras e nutricionistas erram com freqüência no diagnóstico para detectar a alergia às proteínas do leite de vaca em crianças menores de 2 anos.
Essa é a conclusão de uma pesquisa, feita na Universidade Federal de São Paulo (Unifesp), em que foi demonstrada a presença de “erro conceitual” em relação às recomendações terapêuticas na alergia ao leite de vaca em lactentes.
O trabalho, publicado na Revista Paulista de Pediatria, alerta para a necessidade de diagnósticos precisos e cautelosos, uma vez que a dieta de exclusão do leite de vaca, ao ser aplicada aos lactentes, pode prejudicar o crescimento normal e a própria qualidade nutricional da dieta. As crianças menores de 2 anos, em fase de rápido desenvolvimento, apresentam necessidades nutricionais elevadas.
A eliminação do leite de vaca, sem substituição adequada, provoca déficits de cálcio e de outros nutrientes. De acordo com o coordenador do estudo, Mauro Batista de Morais, professor associado e livre-docente da disciplina de gastroenterologia pediátrica da Unifesp, deve-se prescrever dieta de exclusão do leite de vaca e derivados com substituição da mamadeira, na maioria dos casos, por uma fórmula especial, denominada hidrolisado de proteínas, ou por fórmulas de aminoácidos.
“Como se trata de produtos com custo mais elevado, muitos pediatras e nutricionistas iniciam o tratamento com fórmula de soja. De acordo com a Academia Norte-Americana de Pediatria, as fórmulas de soja só podem ser utilizadas nas alergias imediatas após o sexto mês de vida”, afirmou Morais à Agência FAPESP.
Os outros autores do estudo, todos ligados à Unifesp, são Ana Paula Cortez, Lilian Cristiane Medeiros, Patrícia da Graça Speridião, Regina Helena Mattar e Ulysses Fagundes Neto, esse último professor titular de gastroenterologia pediátrica e reitor da universidade.
A pesquisa foi realizada em três hospitais públicos no município de São Paulo, em 2005. Os resultados foram analisados a partir de um questionário auto-administrado, envolvendo 53 pediatras e 29 nutricionistas com idade entre 21 e 50 anos. Cerca de 91,6% dos que responderam às questões tinham pós-graduação (especialização, mestrado ou doutorado).
Observou-se que produtos como leite de cabra, fórmula láctea sem lactose e parcialmente hidrolisada, que não são recomendados para o tratamento da alergia às proteínas do leite de vaca, foram considerados adequados por alguns profissionais. Cerca de 66% dos pediatras e 48% dos nutricionistas prescreveram pelo menos um produto considerado inadequado para pacientes com alergia ao leite de vaca.
“Muitas vezes são prescritos extratos de soja que não atendem às necessidades da criança e podem desencadear alergia. A soja que é usada por adulto não pode ser a única fonte de alimentação de uma criança. Esse é um erro comum. A dieta da exclusão não pode se limitar a curar a alergia. Ela também deve ser adequada para o lactente crescer”, afirmou Morais.
Alternativas não informadas
Outro dado que chamou a atenção no estudo é que 25% dos pediatras e 40% dos nutricionistas não apontaram as fórmulas à base de hidrolisado protéico e fórmulas à base de aminoácidos como opções terapêuticas no combate à alergia ao leite de vaca.
O problema começa na fase incial. Lactentes que apresentam diarréia e vômito levantam indícios de que tenham alergia ao leite de vaca. No primeiro momento, segundo Morais, deve haver a suspensão do leite na dieta. Depois de alguns dias, a diarréia e os vômitos desaparecem. Após cerca de oito semanas, o leite de vaca é reintroduzido na alimentação para verificar o reaparecimento dos sintomas.
“Esse é o processo correto para fazer o diagnóstico. Na prática, os médicos param no segundo ponto. Ou seja, só fazem a dieta da exclusão. Se a dieta for errada, a criança terá déficits nutricionais”, disse.
Em relação à rotina de atendimento, 52,8% dos pediatras responderam que crianças com alergia a proteínas do leite de vaca são avaliadas e orientadas por nutricionistas. E a maioria dos profissionais (97,6%) afirmou realizar, rotineiramente, a avaliação da dieta.
Houve uma proporção maior de nutricionistas, em relação aos pediatras, que afirmou ter adotado algum padrão de referência para analisar a quantidade de cada nutriente na dieta da criança.
No aspecto “alimentos que devem ser excluídos” durante o tratamento da alergia às proteínas do leite de vaca, 92,4% dos pediatras e 89,6% dos nutricionistas responderam corretamente. Mas 20,7% e 17,2%, respectivamente, “limitaram-se à exclusão da dieta do leite de vaca e de seus derivados, mas não mencionaram os produtos industrializados e as preparações que podem conter as proteínas do leite de vaca”, disse Morais.
Confusão no diagnóstico
A pesquisa também detectou haver erro no diagnóstico em relação à intolerância à lactose, que é confundida com alergia a proteínas. Os resultados mostram que 30,8% dos pediatras e 17,2% dos nutricionistas consideram necessária a retirada de todos os alimentos que contenham as proteínas do leite de vaca nos casos de intolerância à lactose.
“A intolerância à lactose é uma incapacidade de a pessoa absorver a lactose (açúcar), e não a proteína. A intolerância à lactose ocorre, geralmente, depois dos 4 anos de idade. Os sintomas são gases, flatulência, cólica abdominal e, eventualmente, diarréia. As pessoas que têm intolerância a ela podem comer eventualmente pequenas quantidades em produtos derivados do leite, como queijo e iogurte”, explicou o professor de gastroenterologia pediátrica da Unifesp.
Outro problema encontrado foi em relação à ingestão de leites de outros mamíferos, como cabra ou ovelha. Cerca de 15,2% dos pediatras e 13,7% dos nutricionistas afirmaram que “leites de outros mamíferos poderiam ser utilizados como substitutos para crianças com alergias às proteínas do leite de vaca”.
De acordo com Morais, as proteínas do leite de cabra são muito semelhantes às do leite de vaca, portanto, não adequadas para o indivíduo com alergia, ou seja, “quem tem alergia ao leite de vaca, em geral, tem alergia ao leite de cabra. Quando o paciente melhora com leite de cabra é provável que não seja alergia alimentar”, disse.
O estudo levanta a necessidade de se “elaborar estratégias educacionais que ampliem os conhecimentos desses profissionais”, visando a evitar a recomendação de dietas de exclusão sem efetividade ou a ocorrência de déficits nutricionais por dietas que não preencham as necessidades nutricionais do lactente.
“Os maiores déficits de comprometimento são os procedimentos e as condutas práticas terapêuticas. Não sabemos ainda se é por desconhecimento ou porque o profissional acha que não vai conseguir fazer o tratamento de forma mais adequada. É preferível que, se o médico tem uma dificuldade maior para prestar atendimento, que ele encaminhe o paciente para um centro especializado”, enfatizou o pesquisador.
Para ler o artigo Conhecimento de pediatras e nutricionistas sobre o tratamento da alergia ao leite de vaca no lactente, de Mauro Batista de Morais e outros, disponível na biblioteca on-line SciELO (Bireme/FAPESP), clique aqui.
Autor: Alex Sander Alcântara
Fonte: Agência FAPESP