*Tania Maria Onzi Pietrobelli – Eu trabalhava e meu filho, ainda bebê, ficava com a babá. Certo dia – ele com seis meses de idade -, comecei a observar manchas roxas no corpinho dele, eram muitas. Passei a desconfiar da babá: será que meu filho estava sendo vítima de violência?
Mas constatei que não era violência. Levei-o ao pediatra que, imediatamente, solicitou exames. Foi quando recebi o diagnóstico de hemofilia, algo que eu não tinha ideia do que era.
Naquele momento fiquei muito abalada e sem saber o que aconteceria no futuro, a insegurança tomou conta de mim. Eu pensava que meu filho não sobreviveria, cogitei até em abandonar a minha profissão.
Apesar do hematologista que me deu o diagnóstico ter sido muito cruel ao passar a informação sobre a hemofilia, dizendo que seria um grande problema e causaria muito sofrimento, tanto o geneticista quanto o pediatra me acalmaram, contando que com o tratamento adequado ele poderia ter uma vida plena.
Foi o que fiz. No início, só conhecia o tratamento por demanda e logo que iniciava um sangramento corria para o Centro de Tratamento para fazer a infusão de fator de coagulação, pois tinha aprendido que quanto antes fosse tratado menos sequelas desenvolveria.
Busquei outro hematologista que tinha uma visão de prevenção, e sempre nos dizia: Antes façam o fator, depois me procurem. E, na dúvida, façam o fator, sempre! Ter acesso à informação correta me trouxe segurança e assim abandonei a ideia de largar a minha profissão.
O primeiro hematologista disse para eu proteger e acolchoar todos os cantos na casa para que meu filho não se machucasse. Mas pensei: ‘E quando meu filho quiser ir à casa dos amigos, dos primos? Lá não estará tudo acolchoado’. Foi então que passei a permitir que meu filho tivesse a oportunidade de viver todas as experiências (supervisionado) para que soubesse o que era o mundo real e não se sentisse diferente de outras crianças.
Quando sangrava e necessitava ir ao Centro de Tratamento, procurava não fazer drama e levava sempre um brinquedo junto para que aquele momento não fosse uma lembrança ruim.
Desde o diagnóstico, passei a estudar muito sobre hemofilia, embora 42 anos atrás não se tivesse acesso à internet, buscava pessoas que tinham contato com a coagulopatia. Foi quando conheci uma revista chamada HEMALOG, que vinha de outro país. Fiz a assinatura e lia desde a capa até a contracapa, tamanha a sede de informação.
Aprendi então que nos países desenvolvidos existia o tratamento de PROFILAXIA e, assim, as pessoas com hemofilia não desenvolviam sequelas. Imediatamente fomos em busca desse tratamento, já que o Ministério da Saúde não oferecia. Graças ao tratamento preventivo, meu filho, hoje com 42 anos, tem vida plena, é médico e contribui com a construção de nosso País.
Esta experiência positiva, deu-me forças e responsabilidade para passar tudo o que tinha aprendido, para que todas as pessoas tivessem a oportunidade de ter o mesmo tratamento do meu filho.
Então, em 1992, fundei a Associação dos Hemofílicos no Rio Grande do Sul e, em seguida, fui convidada a assumir a Representação do Estado junto à Federação Brasileira de Hemofilia (FBH) como filiados. Em 2005, tornei-me a vice-presidente da FBH e, em 2009, assumi a presidência da FBH.
Em 2011, como presidente da FBH, levei a história de sucesso do meu filho com o tratamento preventivo para a Comissão de Orçamento do Senado, que reconheceu a necessidade de triplicar o orçamento para garantir o tratamento profilático, para todos, através do Sistema Único de Saúde (SUS). Esse tratamento evita a morte e os sangramentos articulares, que podem destruir a cartilagem, o osso e levar a deficiências físicas e dores permanentes.
Mais uma conquista foi o tratamento domiciliar. O hemocentro ensina os pais ou cuidadores a fazer o fator em casa. O Ministério da Saúde libera o tratamento para 2 meses, não sendo mais necessário o deslocamento até o hemocentro para a infusão, desde que o hemocentro e a família tenham estrutura para armazenar esse quantitativo.
Atualmente, o tratamento da hemofilia é totalmente coberto pelo SUS, tanto a parte multidisciplinar, como as medicações. Foi uma luta que a Federação conquistou. Nem na pandemia nós perdemos o tratamento.
Hoje, temos 29 mil pessoas no Brasil com coagulopatias hereditárias, entre essas, 13 mil têm hemofilia. Graças aos tratamentos gratuitos disponíveis no Brasil, a expectativa de vida do paciente com hemofilia é igual a qualquer cidadão. Antigamente, uma pessoa com hemofilia podia morrer por causa de uma extração dentária.
Eu gosto de contar a minha história para as mães para mostrar que com o tratamento adequado, é possível ter qualidade de vida e uma rotina normal: trabalhar, ir à escola, brincar, praticar esporte. Informação é sinônimo de vida plena!
Fonte: *Tania Maria Onzi Pietrobelli é presidente da Federação Brasileira de Hemofilia