O uso excessivo de telas na infância é uma preocupação crescente. Embora a tecnologia traga benefícios, como o acesso à informação e ao aprendizado interativo, sua utilização descontrolada pode acarretar problemas para o desenvolvimento físico, mental e social das crianças.
Na primeira infância, as conexões neurológicas são moldadas pela interação com o mundo. O acesso livre ao celular e tablets nessa fase pode retardar a evolução e prejudicar essa dinâmica neurológica, representando atraso na fala, comprometimento de habilidades motoras, redução na capacidade de formar laços e maior dificuldade em regular emoções e comportamentos.
A frequente exposição aos eletrônicos altera o circuito de recompensas do cérebro e gera a busca constante por estímulos rápidos e imediatos, o que compromete a capacidade de atenção, as formas de lidar com frustrações e até o engajamento em atividades não digitais.
Esse cenário pode levar a quatro comprometimentos fundamentais: déficit de atenção – incapacidade de manter o foco que afeta muitas funções cognitivas e de desenvolvimento; privação do sono, o que dificulta a aprendizagem e controle emocional; redução da interação social; e, por último, a grande questão do vício.
Hoje, muitas crianças que vão à praia, lugar com uma série de estímulos para brincar, consideram o passeio extremamente chato. A consequência disso é o aumento brutal de adoecimento mental, transtornos de ansiedade e depressão.
As telas e os algoritmos têm mecanismos altamente aditivos feitos para causar dependência, com o objetivo de nos vender produtos e fazer com que a nossa atenção fique cada vez mais vinculada a elas, o que é particularmente prejudicial nas fases do desenvolvimento infantil.
Um dos antídotos, portanto, é o brincar livre, principal maneira de exploração da vida. E, muitas vezes, essa prática pressupõe uma experiência não supervisionada, o que é um fator interessante. A gente não só expõe muito à tela, como hiper protege as crianças, numa fase em que elas precisam estabelecer e descobrir limites, físicos e sociais.
Por isso, as famílias precisam estimular atividades exploratórias, em que a criança vai testar caminhos, eventualmente vai se machucar, se arranhar, e isso faz parte do processo.
Em casa, os pais devem estabelecer limites claros para o uso de tela e oferecer alternativas, como jogos de tabuleiro, leitura, esportes, interações no brincar na rua, nos parques, principalmente com a natureza.
É necessário criar um ambiente rico de interações humanas e desafios não digitais, dialogar e monitorar conteúdo, caso seja oferecido. Eu falo aqui não só como psicólogo, mas principalmente como pai de uma criança de dois anos e oito meses, que sabe das dificuldades de fazer isso.
No livro “O Leão da Bochecha de Balão e a Redescoberta do Play”, abordo, de maneira lúdica e infantil, a questão do uso excessivo de telas. O personagem principal, um leãozinho, acaba aprisionado por sua dependência e fica triste. Ele e suas bochechas de balão simbolizam essa criatividade potencial que vai murchando.
A ideia é trazer à tona um debate. É um livro para ser lido em voz alta, entre pais e filhos. E ele tem uma mensagem clara, inspiradora, reforçando um estilo de vida mais ativo. Quando o leão redescobre o brincar, ele percebe o prazer das interações genuínas, recupera a energia, a criatividade e a conexão com a vida. E é exatamente isso que queremos para nossas crianças. Sem dúvidas, cabe a nós, pais, escola e sociedade, oportunizar essa qualidade de vida a elas.
Fonte: Lucas Freire é psicólogo e autor dos livros O leão de bochecha de balão e Redescoberta do Play – Empreendedor, escritor, palestrante e professor, é especialista na criação de treinamentos e programas com experiências voltados para o desenvolvimento comportamental, criatividade, resiliência e liderança.nça