Por Especialista em Psicologia Positiva e educadora
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Cuidar da saúde mental e emocional na escola sempre foi um tema pouco valorizado, irrelevante e, talvez, tenha passado despercebido por muitos diretores e gestores ao longo de décadas. Muito pouco investimento é aplicado a esses temas e, quando o é, costuma ser feito de modo ineficaz, por exemplo, através de palestras de profissionais que falam sobre o assunto, mas não mudam a realidade da escola em si. Isso transmite uma falsa impressão de que a escola está realmente cuidando do tema. Falar de um assunto, sem implantar medidas preventivas e curativas, não é suficiente e é ineficaz. Assim como campanhas têm data certa para começar e terminar, não cuidam devidamente da causa e não trazem programas preventivos.
Dada a sua devida importância, a saúde mental dos alunos e de toda a comunidade escolar não pode mais ser desprezada, pois a realidade hoje é que essas questões se agravam, e sintomas preocupantes surgem e crescem a cada instante. O ambiente escolar é um reflexo do que se passa na vida individual de cada aluno, e é com preocupação que temos observado o crescente número de crianças e jovens com sintomas interferindo em sua rotina escolar, afetando seu desenvolvimento socioemocional e a aprendizagem.
As pessoas precisam se atentar ao fato de que o desenvolvimento emocional afeta diretamente o desenvolvimento da aprendizagem, ou seja, se um aluno está com dificuldades emocionais, terá o aprendizado comprometido. O inverso já não se aplica, e a maioria das escolas dá muito mais importância e ênfase ao desempenho acadêmico, em detrimento do desempenho emocional. Sendo assim, e com esse crescente desprezo, os sintomas aumentam de forma assustadora. Com a ajuda da tecnologia, esse processo sofreu um acréscimo exponencial desde 2010.
Após mais de uma década mais segura e de melhorias nessas questões, a saúde mental de crianças e adolescentes sofreu um decréscimo importante no início da década de 2010, quando o smartphone surgiu e invadiu a vida de todos. Até então, o uso da internet era diferente e com propósito definido, em locais reservados para acesso limitado. De repente, passamos a carregar tudo conosco, com acesso o tempo todo, e assim, a tecnologia invadiu nossa vida, e nosso organismo “ganhou” um novo órgão: o aparelho celular.
Carregamos o mundo conosco, acessamos a todo instante redes sociais, notificações de e-mails, sites de relacionamentos, aplicativos de conversa. Somos governados pelos avisos, sinais, vibrações dos aparelhos, notificações instantâneas, e isso nos tornou dependentes, perdendo o controle de nossas próprias vidas. Parece exagero, mas a realidade é que perdemos o autocontrole e nossa capacidade de autorregulação diminuiu assustadoramente. Somos governados de fora para dentro, voltamos a uma total heteronomia, em detrimento da autonomia.
A sociedade como um todo está aprendendo que é governada pelos smartphones. Seguimos na rotina diária sem nos darmos conta do impacto disso em nossa realidade. Assim também é a vida dos nossos alunos, que, de repente, são governados por outras pessoas que sofrem dessa dependência digital. Eles sofrem por falta de relacionamentos produtivos e saudáveis, sem tempo de qualidade com a família, comunicação inadequada, sem atenção exclusiva e segurança devida. O problema é universal, e os sintomas afetam vários países ao mesmo tempo. O Brasil é um dos campeões de acessos e do número de horas online que seus usuários permanecem conectados.
As taxas de depressão e suicídio aumentaram consideravelmente entre 2010 e 2020. A infância baseada no brincar foi substituída pela infância baseada no celular. Esse declínio das brincadeiras afeta diretamente o desenvolvimento das crianças, causando danos irreversíveis e de grande significância ao seu cérebro e desenvolvimento cognitivo/emocional. Nossas crianças estão perdendo aprendizados básicos para desenvolverem habilidades e capacidades individuais para crescerem de forma saudável mental e emocionalmente.
Falar de saúde mental na escola é falar desse crescimento brutal e perigoso do uso dos celulares em casa e precocemente pelas crianças. Temos visto jovens hiper conectados, dependentes de seus smartphones e de outros aparelhos com acesso à internet, e que sofrem de problemas como privação do sono, vício, solidão, depressão, isolamento social, comparação social, agressividade, perfeccionismo, atenção fragmentada, irritabilidade e grave abstinência, quando necessário os afastar dos aparelhos, causando conflitos e reações incontroláveis, muitas vezes com violência física contra seus pais, cuidadores ou responsáveis.
Diante desse cenário catastrófico, a escola precisa estudar o fenômeno da dependência digital, pois isso afeta os adultos responsáveis por nossas crianças. Nos afeta também; portanto, afastar os aparelhos celulares do ambiente escolar é, hoje, uma necessidade e não mais uma escolha. Precisamos resgatar urgentemente as relações saudáveis, com comunicação frente a frente e olho no olho, prática e uso de uma linguagem empática, acolhedora e respeitosa, valorizando os relacionamentos e ressignificando a essência do ser humano, que é a dependência entre si. Sim, somos dependentes de outros seres humanos e não de smartphones.
O que veio para nos conectar está nos afastando, nos adoecendo, nos consumindo. A escola se torna, assim, responsável por ressignificar e educar seus alunos para um uso definido, com propósito, com tempo para iniciar e finalizar suas tarefas online, de maneira supervisionada pelos adultos e nunca livres, sem rumo e objetivo final. A escola, através disso, causará impacto nas famílias e seu propósito educativo será ampliado, levando para os lares um retorno à convivência saudável e, consequentemente, ao desenvolvimento da saúde mental de nossa comunidade. O que está em jogo não é apenas a saúde mental das nossas crianças e jovens, mas de toda a sociedade.
A autora: Ana Claudia Favano é gestora da Escola Internacional de Alphaville. É psicóloga; pedagoga; educadora parental pela Positive Discipline Association/PDA, dos Estados Unidos; e certificada em Strength Coach pela Gallup. Especialista em Psicologia da Moralidade, Psicologia Positiva, Ciência do Bem-Estar e Autorrealização, Educação Emocional Positiva e Convivência Ética. Dedicada à leitura e interessada por questões morais, éticas, políticas, e mobiliza grande parte de sua energia para contribuir com a formação de gerações comprometidas e responsáveis.