Como o diagnóstico precoce trouxe esperança e melhores condições de vida para Donatella
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O desenvolvimento infantil é um processo que envolve diversos fatores, como o crescimento físico, a maturação neurobiológica e a construção de habilidades relacionadas ao comportamento cognitivo, social, de linguagem, de autocuidado e motor. Os marcos do desenvolvimento apresentam intervalos médios relacionados ao tempo esperado para que a criança manifeste determinada habilidade. Ultrapassado esse período, é necessário um olhar mais cuidadoso e crítico por parte dos pais, cuidadores e dos profissionais da saúde para possíveis atrasos ou quaisquer sinais que possam indicar algum problema.
Segundo o Ministério da Saúde, aproximadamente 13 milhões de brasileiros convivem com uma das mais de 8 mil doenças raras catalogadas. Para cerca de 95% dessas condições, não há tratamento específico disponível, tornando crucial o diagnóstico precoce para melhorar a qualidade de vida dos pacientes e suas famílias. Um cuidado abrangente, envolvendo diferentes especialidades médicas, e acesso a arsenal terapêutico adequado, fornecidos de forma oportuna, têm o potencial de reduzir complicações, aliviar sintomas e até mesmo retardar o progresso dessas doenças. Na lipofuscinose ceroide neuronal tipo 2 (CLN2 sigla em inglês), uma doença genética extremamente rara e degenerativa, também conhecida como doença de Batten, a ausência de tratamento adequado pode resultar em óbito antes dos primeiros dez anos de vida.
O processo associado à CLN2 é uma realidade desafiadora para os pacientes e suas famílias, pois afeta tanto o desenvolvimento físico quanto o cognitivo das crianças acometidas, desencadeando crises epilépticas, atraso na linguagem, perda de habilidades motoras e visão. No entanto, embora não haja cura para a CLN2, é importante destacar que o diagnóstico precoce, combinado com um tratamento multidisciplinar e medicamentoso adequados, podem ajudar a melhorar a qualidade de vida e suavizar o curso da doença.
É o caso da Donatella, 6 anos, filha de Maria Simone de Oliveira Costa. Aos 2 anos, começou a apresentar crises de ausência, manifestadas por períodos breves de olhar fixo. Houve suspeita inicial de autismo, mas exames indicaram que se tratava de uma condição associada à primeira infância. Aos 4 anos, após uma convulsão que a deixou com o lado direito do corpo paralisado, foi prontamente atendida em uma Unidade Básica de Saúde (UBS), onde recebeu o diagnóstico de epilepsia. Foi então que começaram as consultas ao neuropediatra, a fim de investigar as possíveis causas. E, só após a realização de um tipo específico de exame genético, o exoma – conhecido também como exoma sequencing, foi possível chegar ao diagnóstico de CLN2.
O teste consiste em uma técnica utilizada para analisar todas as regiões codificadoras de proteínas do genoma de um indivíduo, é frequentemente utilizado em pesquisas científicas e na prática clínica para investigar a base genética de doenças hereditárias, raras ou complexas.
“Mais da metade de todas as epilepsias têm alguma base genética. Muitos pacientes acabam recebendo o diagnóstico de epilepsia, mas há cuidados específicos para esta condição genética”, alerta a neuropediatra, Dra. Mara Lucia Schmitz. As síndromes nas quais as crises convulsivas são um aspecto importante do quadro clínico pode ser provocado por genes envolvidos em diferentes vias celulares, tais como: migração neuronal, metabolismo de glicogênio e cadeia respiratória. Ao mesmo tempo, esse tipo de manifestação pode ser indicativo de uma outra gama muito ampla de doenças, principalmente raras.
Embora enfrente desafios como perda de coordenação motora e dificuldades no acompanhamento do desenvolvimento escolar, Donatella mantém habilidades básicas de locomoção, fala e visão. O tratamento envolve uma equipe multidisciplinar, incluindo fonoaudiólogos, fisioterapeutas, musicoterapia, pedagogas e terapeutas ocupacionais, além da administração de medicamentos para controle das crises epilépticas.
“Apesar de não ter cura, o diagnóstico precoce é crucial para garantir que os pacientes possam se beneficiar do tratamento multidisciplinar adequado, que é a chave para amenizar os sintomas como a as crises convulsivas, desacelerar a progressão da doença e, consequentemente, melhorar a qualidade de vida”, esclarece Mara Lucia.
Maria Simone também é mãe de outra menina, a Alice, de 8 meses de idade. O diagnóstico da primeira filha, levantou preocupações semelhantes em relação à saúde da segunda. No entanto, diante da falta de recursos adequados no sistema público de saúde, para lidar com essa condição específica, ela decidiu buscar assistência médica na rede privada. Após a realização do teste, com três meses de vida, confirmou-se que Alice não possui CLN2.
Em abril de 2022, a Comissão Nacional de Incorporação de Tecnologias no SUS (Conitec) aprovou a incorporação no sistema público de um medicamento para o tratamento da CLN2, o que possibilitou a elaboração do primeiro Protocolo Clínico e Diretrizes Terapêuticas (PCDT) para a doença, oferecendo orientações para o diagnóstico, tratamento e acompanhamento de determinadas doenças no âmbito do Sistema Único de Saúde (SUS). “É muito difícil ter tratamento para doenças raras e quando há, a demora do diagnóstico é tão grande que as famílias perdem a possibilidade de dar uma qualidade de vida para as crianças”, finaliza Maria Simone.
Fonte: Neuropediatra Dra. Mara Lucia Schmitz.