Excesso de controle contribui para a falta de autonomia e espontaneidade de crianças
A superproteção e o excesso de controle pelos adultos aparecem como principais causas da vivência do tédio e apatia na infância. Uma pesquisa desenvolvida no Instituto de Psicologia (IP) da USP mostra que a presença constante de adultos controlando as ações das crianças contribuem para a falta de autonomia e espontaneidade delas.
O projeto buscou entender quais seriam as possíveis correlações entre o consumo e a vivência do tédio infantil. Para tanto, verificou-se de que maneira se compõe a rotina extraescolar de crianças, apurando o que ela faz fora da escola, o tempo que brinca livremente, o tipo de acesso a eletrônicos e a frequência com que faz atividades extracurriculares.
Para a psicóloga e professora Clarice Krohling Kunsch, autora do estudo, os diagnósticos de depressão, ansiedade e déficit de atenção das crianças muitas vezes são exagerados. Nesse quadro, o estudo caminhou no sentido de contribuir para a melhoria dessas verificações. “Como professora, sempre me intrigou a apatia de alguns alunos. Muitos deles chegavam na escola com diagnósticos de depressão, porém eles estavam simplesmente entediados”.
Ao todo, 30 crianças com idade entre 5 e 7 anos foram submetidas a uma sequência de entrevistas. Paralelamente, essas mesmas crianças foram observadas em diversos momentos da rotina escolar e seus pais e professores também foram entrevistados. “Os dados de todos os participantes foram analisados e a partir dai levantamos gráficos”, conta a pesquisadora. Com o intuito de aprofundar o tema da vivência do tédio, a pesquisadora realizou uma interpretação mais detalhada dos dados de entrevistas e observações de oito crianças, sendo escolhidas quatro com sinais de vivência de tédio e outras quatro sem sinais de vivência de tédio.
A psicóloga destaca três grandes aspectos comuns nas rotinas de todas as oito crianças. São eles: prática de atividades extracurriculares, presença constante de um adulto (mãe, pai ou babá) no período em que não estão na escola e acesso a equipamentos eletrônicos, como televisão, videogame, iPad e computador.
Em relação ao primeiro item, no grupo das crianças com sinais de vivência de tédio, verificou-se que não há necessariamente interesse da criança pela atividade que pratica. No outro grupo, a experiência extraescolar estava ligada a um interesse próprio e sem grandes expectativas de resultados por parte dos pais. “Parte-se da ideia que é melhor a criança estar em um lugar seguro e protegido do que sem fazer nada. Então, entra a grande expectativa de antecipar conteúdos e tentar o quanto antes criar os gênios ou os grandes profissionais do futuro. Porém, para uma criança é mais saudável ter experiências múltiplas, como praticar diversos esportes ao invés de apenas um, por exemplo”.
No segundo ponto da pesquisa, Clarice ressalta que, por estar a maior parte do tempo institucionalizada (escola ou cursos), com um adulto ensinando a fazer algo, a criança acaba por esperar que alguém sempre lhe diga o que deve fazer. “Nesse cenário, falta-lhe iniciativa. Os adultos estão cada vez mais controladores e superprotetores. Nesse aspecto vemos claramente o tédio, pois quando pode ser livre ou escolher livremente, faltam à criança a capacidade e a vontade de agir espontaneamente”.
A pesquisadora desmistifica a ideia de que os equipamentos eletrônicos são apenas vilões no desenvolvimento infantil. Ela afirma que esses produtos fazem parte da rotina da grande maioria das crianças atualmente e seria desnecessário negar a sua existência. “O importante é saber administrar o uso, orientando-as para o uso saudável e adequado. O alerta fica para a soma de horas, para que não permaneçam apenas assistindo televisão ou jogando videogame”.
Controle de ações
A psicóloga aponta algumas mudanças de ponto de vista que a pesquisa pode trazer. “A princípio, acreditava que a vivência do tédio em crianças poderia estar diretamente relacionada ao consumo excessivo de bens, porém pude perceber que é possível se relacionar de maneira saudável e adequada com aquilo que se tem”. Ela afirma que o que realmente pode ser prejudicial para uma criança é ter sempre alguém controlando suas ações. “Superproteções excessivas tiram da criança as possibilidades de explorar novos caminhos e se motivar para tal”, afirma.
Clarice ressalta ainda que estamos diante de um fenômeno ainda pouco explorado entre os estudiosos da infância e que pode estar se tornando cada vez mais comum entre as crianças da geração atual. “Faz-se necessário alertar pais e profissionais sobre as possíveis causas e implicações do tédio infantil e orientá-los na formação de crianças mais felizes, criativas e espontâneas”, recomenda.
A autora da pesquisa pode ser contactada pelo email[email protected]