Certos tipos de quimio e radioterapia possuem impacto direto sobre o funcionamento dos ovários e, consequentemente, as chances de a mulher engravidar.
Mas criopreservação dos óvulos é alternativa para solucionar o problema. Decisão é benéfica, já que custo alto poderia desencorajar as mulheres.
Em uma decisão por unanimidade na última terça-feira, dia 15, o Superior Tribunal de Justiça (STJ) julgou que uma operadora de plano de saúde precisa custear o congelamento de óvulos de uma paciente com câncer de mama, de 24 anos, como medida preventiva contra a infertilidade. A ministra Nancy Andrighi argumentou, e foi seguida pelos colegas, que se o plano cobre o procedimento de quimioterapia, também deve cobrir procedimentos em relação à prevenção da infertilidade, que é um dos efeitos colaterais do tratamento. “O diagnóstico do câncer é acompanhado de muito medo e apreensão por parte do paciente, afinal, a doença, além de ser cercada de grandes estigmas, ainda afeta uma série de setores da nossa vida, incluindo o familiar, o social e o psicológico. E, no caso das mulheres que ainda desejam ter filhos, outro fator importante também deve ser levado em consideração: a fertilidade, que pode ser prejudicada pelas terapias para tratamento do câncer, como a quimio e a radioterapia. Isso porque uma das maiores complicações desses tratamentos é a perda da função das gônadas, como os ovários, o que, consequentemente, causa infertilidade, seja ela permanente ou temporária”, explica o Dr. Rodrigo Rosa, especialista em reprodução humana e diretor clínico da Clínica Mater Prime, em São Paulo. Segundo o STJ, a cobertura será obrigatória até o término do tratamento e, após a alta, cabe à paciente arcar com o armazenamento os óvulos.
Essa questão, para muitos, pode parecer trivial em meio a um tratamento oncológico, mas, após a cura da doença, a fertilidade pode se tornar uma questão importante para a mulher, segundo o Dr. Rodrigo. “O problema é que é muito difícil prever quais as chances de a mulher sofrer com infertilidade após a cura da doença, pois o impacto do tratamento oncológico sobre os ovários vai depender de uma série de fatores, como a gravidade do câncer, o tipo de quimio ou radioterapia utilizada e a idade da paciente”, diz o médico. “O congelamento de óvulos não é um procedimento barato. Os valores podem variar de clínica para clínica, mas é preciso colocar no planejamento os custos de todo o processo, incluindo as medicações, o procedimento em si, o armazenamento dos óvulos e, claro, a fertilização in vitro para quando a mulher estiver finalmente pronta para engravidar”, diz o Dr. Rodrigo.
O congelamento dos óvulos é a técnica padrão ouro para garantir que pacientes que correm risco de lesão dos ovários devido ao tratamento oncológico possam engravidar futuramente. “A criopreservação é uma técnica que consiste na conservação dos óvulos em nitrogênio líquido. Na temperatura de -196ºC, essas células mantêm seu metabolismo completamente inativado, mas preservando seu potencial e viabilidade, o que permite que sejam utilizadas posteriormente para a fertilização”, explica o médico.
No entanto, para que os óvulos ou embriões sejam coletados para serem congelados, é necessário um período de estimulação farmacológica dos ovários, o que pode causar certa preocupação em mulheres com câncer devido à necessidade de adiamento do início do tratamento oncológico. Mas, ao contrário do que muitas mulheres imaginam, o tempo necessário para a estimulação ovariana é curto, durando, em média, apenas 10 a 15 dias. “No geral, o ciclo de congelamento de óvulos inicia-se com o uso de pílulas anticoncepcionais por uma ou duas semanas para desativar temporariamente os hormônios naturais. Mas, em casos de urgência, como antes da terapia contra o câncer, ignoramos essa etapa e seguimos para o processo de estimulação hormonal dos ovários e amadurecimento dos óvulos, o que leva cerca de dez dias. Após amadurecem adequadamente, os óvulos são removidos com uma agulha colocada na vagina sob orientação de ultrassom, o que é feito com sedação intravenosa, e são congelados imediatamente”, diz o Dr. Rodrigo. “Ou seja, quando a mulher é rapidamente encaminhada a um centro de reprodução humana, a criopreservação dos óvulos não retarda significativamente o início do tratamento do câncer, sendo assim uma opção válida e segura que não possui grande impacto sobre as chances de cura da doença”, afirma o especialista em reprodução humana.
Em seguida, a mulher pode seguir com o tratamento oncológico normalmente. “Com o câncer tratado e a paciente pronta para tentar a gravidez, os óvulos são descongelados, injetados com um único espermatozoide para obter a fertilização e transferidos para o útero como embriões”, conta o Dr. Rodrigo Rosa. E a fertilização não precisa ser realizada logo após o tratamento do câncer ser finalizado. “Na verdade, para mulheres que sofreram com câncer, o recomendado é aguardar no mínimo dois anos antes de tentar engravidar para que se exclua o risco de recidivas da doença. Mas os óvulos podem permanecer congelados por muito mais tempo. Com base em evidências científicas, estamos confiantes de que o armazenamento de longo prazo de óvulos congelados não resulta em nenhuma diminuição da qualidade. Em um caso, o embrião foi mantido congelado por 27 anos e ainda assim gerou uma gravidez bem-sucedida”, explica o médico.
E o melhor é que o congelamento de óvulos possui grandes taxas de sucesso. “Taxas de descongelamento de óvulos e de fertilização bem-sucedida de 75% são esperadas em mulheres de até 38 anos de idade. Dessa forma, para 10 óvulos congelados, espera-se que sete sobrevivam ao degelo e cinco ou seis fertilizem e se tornem embriões. Normalmente, de três a quatro embriões são transferidos em mulheres de até 38 anos de idade. Portanto, recomendamos que 10 ovos sejam armazenados para cada tentativa de gravidez. A maioria das mulheres com 38 anos de idade ou menos pode esperar colher de 10 a 20 óvulos por ciclo”, destaca o Dr. Rodrigo. Além disso, a criopreservação é um procedimento muito seguro, tanto para a mãe, quanto para o bebê. “O maior estudo publicado sobre o assunto, com mais de 900 bebês de óvulos congelados, não mostrou aumento na taxa de defeitos congênitos quando comparado à população em geral. Além disso, os resultados de um estudo não mostraram taxas aumentadas de defeitos cromossômicos entre embriões derivados de óvulos congelados em comparação com embriões derivados de óvulos frescos. Em 2014, um novo estudo mostrou que as complicações na gravidez não aumentaram após o congelamento dos óvulos. Também houve mais de 300.000 crianças nascidas em todo o mundo de embriões congelados usando principalmente técnicas de criopreservação de congelamento lento, sem um aumento de defeitos congênitos”, enfatiza.
Por fim, o Dr. Rodrigo ressalta que, ao ser diagnosticada com câncer, o mais importante é que a mulher converse com seu oncologista e um especialista em reprodução humana. “Os médicos poderão direcionar a mulher da melhor forma possível para que o congelamento de óvulos e, consequentemente, a preservação da fertilidade sejam realizados sem prejudicar o tratamento oncológico ou colocar sua saúde em risco”, finaliza.
FONTE: *DR. RODRIGO ROSA: Ginecologista obstetra especialista em Reprodução Humana e sócio-fundador e diretor clínico da clínica Mater Prime, em São Paulo, e do Mater Lab, laboratório de Reprodução Humana. Membro da Associação Brasileira de Reprodução Assistida (SBRA) e da Sociedade Brasileira de Reprodução Humana (SBRH), o médico é graduado pela Escola Paulista de Medicina – Universidade Federal de São Paulo (UNIFESP/EPM).