Reprodução humana assistida: três décadas de evolução e muitos desafios
Em 2008, celebramos os 30 anos do nascimento do primeiro bebê de proveta da humanidade: Louise Brown. Seu nascimento, na madrugada de 25 de julho de 1978, causou muito alvoroço no Hospital Geral de Oldham, perto de Manchester, Inglaterra, e na comunidade científica. O que até então parecia impossível acabara de se tornar realidade. Com um bloqueio nas trompas, sua mãe, Leslie Brown, só conseguiu engravidar quando encontrou o embriologista Robert Edwards e o ginecologista Patrick Steptoe. Foram necessárias pelo menos 50 tentativas até que vingasse o embrião que viria a ser Louise Brown.
Toda novidade é sempre vista com receio. Na ocasião, não foi diferente. A mídia e a comunidade científica viram com desconfiança o feito de Steptoe e Edwards. Desde então, bebês de proveta, doação/recepção de material reprodutivo humano, congelamento/descarte de embriões, clonagem, medicina genética, Bioética, Biodireito, dentre outros temas, não deixaram mais de contar com ampla exploração midiática.
Em meio a uma enxurrada de críticos, observadores e casais esperançosos, as pesquisas continuaram avançando. Em 1981, o doutor Howard Jones anunciou o nascimento do primeiro bebê de proveta nos Estados Unidos: Elizabeth Jordan Carr. E em 1984, no Brasil, foi a vez do ginecologista Milton Nakamura anunciar a chegada de Anna Paula Caldeira. Após uma profusão de nascimentos e anúncios em diversos países, que sinalizavam para a comunidade científica o domínio da técnica, a fertilização in vitro tornou-se um procedimento médico comum.
No Brasil, existem cerca de 190 clínicas de reprodução humana, onde são realizados quase 15.000 ciclos de fertilização, o que resulta em algo em torno de 4.000 nascimentos por ano. E esse número vem crescendo, graças à tecnologia que se desenvolve a cada dia. O que pode ser feito, hoje, neste campo, nem foi sonhado há 30 anos atrás, por Steptoe e Edwards.
Linha evolutiva
Hoje, mulheres que não ovulam mais podem engravidar por meio de óvulos de doadoras. Homens que não produzem espermatozóides maduros podem recorrer a uma técnica que permite retirar as células pré-espermatozóides e amadurecê-las, para que posteriormente elas sejam utilizadas na fertilização in vitro. Doze anos atrás, a ICSI – uma microinjeção de um único espermatozóide dentro do óvulo – era só uma hipótese.
Na linha evolutiva da reprodução humana foram desenvolvidas muitas pesquisas. Como resultado, contamos com o Assisted Hatching (AHA), que permite que se realizem pequenas aberturas na membrana que envolve os embriões fecundados em laboratório, com o objetivo de facilitar sua implantação no útero. A transferência de citoplasma do óvulo de uma mulher mais jovem para o óvulo de uma mulher mais velha cria condições mais favoráveis ao desenvolvimento do embrião, sem que este perca as características genéticas da mãe.
Outro avanço que contabilizamos, utilizado rotineiramente em clínicas brasileiras, é a biópsia de embriões feitos em laboratório, o Diagnóstico Genético Pré-implantacional (PGD), que oferece a oportunidade de se verificar se o futuro bebê tem anomalias genéticas causadoras de doenças como síndrome de Down, hemofilia, fibrose cística, doença de Tay Sachs, dentre tantas outras que já é possível detectar por essa tecnologia.
Desde 2002, utilizamos o Spindle View, microscópio a laser que permite localizar os cromossomos no interior de óvulos captados para a fertilização in vitro. O equipamento potencializa as chances de gravidez da mulher ao promover a melhora do critério de seleção dos óvulos que serão implantados no útero.
Após 30 anos de um grande feito, é muito importante destacar que a tecnologia conceptiva não teria evoluído tanto, se não existisse também uma demanda tão antiga quanto a própria sociedade: o desejo de continuidade. Sem o desejo de ter filhos, não poderíamos nem sequer ter falado em tratamento da infertilidade, e, hoje, não estaríamos falando de restauração da fertilidade e de formação de novas famílias.
Desafios sociais
Em meio a tamanho progresso científico, não podemos mais admitir a repetição da máxima de que a “medicina reprodutiva envolve sempre altos custos”. Isto não é verdade, a própria tecnologia proporcionou a popularização dos procedimentos e a difusão dos principais avanços científicos da área. Acreditar e difundir tal crença vai contra o próprio progresso da ciência, pois segmenta procedimentos médicos, voltando-os apenas para as classes mais elitizadas do País.
Diversas técnicas de fertilização artificial – de baixa e alta complexidades – facilitam a concretização da gravidez e quanto mais cedo o casal procurar ajuda, maiores serão suas chances de obter sucesso. Não podemos mais propagar o “alto custo” como uma verdade absoluta, pois a boa medicina, baseada em evidências e respaldada no avanço tecnológico, apresenta soluções personalizadas para o tratamento da infertilidade, muitas vezes, simples e acessíveis.