Discussão vai além da superfície, fala da sobrecarga invisível e cotidiana que acompanha a maternidade contemporânea

Samara Felippo
Reprodução Instagram
A frase “pais têm fotos, mães têm selfies” publicada por Samara Felippo nas redes sociais é muito mais que um conteúdo viral, ela também escancara uma realidade cotidiana silenciosa que há tempos atinge as mães brasileiras.
Ao lado de algumas imagens de si mesma com as filhas, a atriz expõe um incômodo íntimo que acontece com milhares de mulheres: a ausência do olhar do outro, mesmo dentro da estrutura familiar. As selfies maternas são, muitas vezes, o único registro possível, porque enquanto as mães estão com os filhos, os pais seguem, muitas vezes, como meros e distantes espectadores.
O debate que ganhou força após a postagem, gerou reações diversas. De um lado, mães exaustas que se viram representadas. De outro, críticas tentaram invalidar o desabafo como exagero ou vitimismo.
“A selfie da mãe com os filhos é mais do que um retrato — é um pedido de reconhecimento. É como se dissessem: ‘olhem, eu estou aqui, eu também existo’. É a imagem que ela consegue fazer de si mesma porque ninguém mais parece se lembrar de registrá-la com afeto”, afirma a especialista em saúde mental feminina, psicanalista, professora e best seller Ana Lisboa.
De acordo com a especialista, no imaginário social, a figura materna ainda é associada à dedicação absoluta, e por isso, a solidão emocional da mulher que materna é, muitas vezes, romantizada ou ignorada. “A sobrecarga materna não é uma questão de logística e sim de estrutura. São as responsabilidades acumuladas, a ausência de uma rede de apoio efetiva, a expectativa de perfeição e, sobretudo, a falta de reconhecimento, não só em fotos, mas no cotidiano. O mesmo pai que registra um momento, muitas vezes é, também, quem delega à parceira a organização mental, emocional e física da família. A selfie, nesse cenário, se torna símbolo de um isolamento materno”, ressalta.
Ainda segundo Ana Lisboa, quando uma mãe tira uma selfie, ela faz mais do que se colocar na foto, pois cria um registro de um momento em que ela também quer ser vista, incluída, amada. “A ausência de fotos tiradas por outros pode ser um indício simbólico de uma ausência maior: o cuidado, o olhar e a presença”.
Para a psicanalista, o desabafo de Samara Felippo não é um ataque à figura paterna, mas uma convocação ao debate sobre divisão de tarefas e afetos. “Traz à tona a necessidade de romper com estruturas desiguais dentro das famílias e de construir novas formas de cuidado, em que todos sejam vistos, e registrem, uns aos outros, com equidade. Porque no fim das contas, não se trata apenas de fotos ou selfies. Trata-se de quem vê quem, de quem cuida de quem, de quem registra e de quem é lembrado. A imagem, nesse caso, vale mais que mil palavras. Mas é o silêncio que pesa”, finaliza.
Fonte: Ana Lisboa – Psicanalista, empresária, advogada e especialista em saúde mental feminina, Ana Lisboa é fundadora do Grupo Altis, primeira startup voltada exclusivamente para saúde mental de mulheres empreendedoras. É referência internacional e autora de um movimento global de transformação emocional e prosperidade feminina.