Em uma sociedade ainda submersa no machismo estrutural, ser mãe e profissional é uma equação carregada de preconceitos
Conheço mulheres incríveis que decidiram não ser mães, e entendo perfeitamente o que está em jogo: os pesos e contrapesos. Outras, abdicam de suas carreiras para se dedicarem em tempo integral à maternidade.
A estas, meu profundo respeito e admiração, pois não tenho dúvidas da nobreza do esforço e entrega que isso envolve. Já eu, sempre fui muito apaixonada pelo trabalho. É minha oportunidade de servir ao mundo, à sociedade e fazer a diferença. Minha carreira se conecta completamente com o meu propósito. Quando decidi ser mãe, me joguei no escuro, sem pensar muito, nunca foi um sonho ou clareza de aptidão. Mas, quando experimentei esse amor, tive a certeza de que eu era a pessoa certa, na hora certa, para ser a mãe do Dudu.
Durante a licença maternidade, senti muita vontade de retornar às atividades profissionais, e ao mesmo tempo, sofria muito imaginando como seria passar o dia inteiro longe do meu filho. Mas, no dia do meu retorno ao trabalho, estava tudo esquematizado. Enchi o meu filho de beijos e voltei muito feliz. Estava radiante não só pelos muitos abraços que receberia dos meus colegas, mas porque tinha, mais do que nunca, muitos motivos para fazer um trabalho incrível e seguir transformando o mundo por meio da tecnologia.
Uma sensação muito comum entre as mulheres que se tornam mães, é a perda de sua individualidade. Desde a gravidez, mãe e bebê são um só corpo, depois do parto, a amamentação mantém essa conexão. Nos primeiros meses e anos, a criança depende completamente de você e o senso de responsabilidade que essa dependência envolve, para muitas mulheres é algo difícil de lidar.
Mas, se você quer ser mãe e também continuar evoluindo sua carreira, saiba que existem caminhos possíveis que têm sido trilhados por muitas grandes mulheres. Aí vão três dicas essenciais.
1. Não se dobre aos pré-julgamentos.
De acordo com uma pesquisa da Ipsos, realizada com pais e mães de 28 países, em 2021, 46% das mães brasileiras se sentem julgadas frequentemente, enquanto 36% dos pais apresentam o mesmo sentimento. A pesquisa apontou que as mulheres, do Brasil, estão entre as que mais se sentem julgadas no mundo. O resultado global é de 38%.
Isso se deve principalmente ao fato da nossa estrutura social ainda derivar do patriarcado, onde os homens estão no centro como chefes de família, preponderantes em diversos aspectos, inclusive econômicos. No entanto, mesmo nos tempos mais primitivos, as mulheres sempre foram os alicerces de suas famílias. Com uma força inesgotável, cuidavam de suas crianças, das suas casas, negociavam, compravam e vendiam, educavam, gerenciavam o bem-estar de todos e lidavam com os problemas do dia a dia com muita humanidade e afeto. Elas sempre tiveram o controle de tudo.
Hoje, mesmo com um longo caminho a percorrer, as mulheres têm muito mais direitos, mais espaço na sociedade e nas organizações. A nossa capacidade multitarefa permanece, nossa empatia e humanidade é um superpoder que pode nos levar muito longe. No âmbito intelectual, somos referência em muitas áreas de conhecimento. Toda essa capacidade, não só nos alavanca nas organizações, mas nos ajuda muito na criação dos nossos filhos.
2. Planejamento e disciplina são palavras de ordem.
Desde o primeiro momento em que descobrimos a gravidez, é fundamental que se busque informação e se inicie o planejamento. Como posso ter uma gravidez saudável? O que preciso ter no enxoval? Como quero que seja meu parto? Qual será a logística dos primeiros dias?
Essas e muitas outras, são questões relevantes a serem definidas previamente. Uma vez planejado, se condicione a colocar em prática, do macro ao micro. Nada na vida nos impõe a ter mais disciplina do que a maternidade. O bebê tem seus horários e suas demandas, e vai mudar a dinâmica de toda a família. Para encaixar tudo o que você precisa nessa agenda, certamente terá que fazer escolhas e estabelecer prioridades, em cada fase.
Se decidir pelo retorno ao trabalho, terá que ter uma rede de apoio em que confie. Seja uma pessoa da família, babá, creche, converse muito, avalie prós e contras, defina a rotina diária do seu filho, acompanhe de perto se tudo está saindo como planejado e confie. Sua vida profissional também vai mudar. Você vai ter que se condicionar a ser muito produtiva e estratégica nas horas úteis.
Priorizar o que importa dentre suas tarefas, evitar reuniões desnecessárias, e as que precisarem ocorrer, que tenha pauta e objetivo. Ainda não vi ninguém com mais foco e intencionalidade no trabalho do que uma mãe que está lutando para oferecer o melhor futuro para a sua prole.
3. Conexão afetiva e propósito
Certa vez assisti a palestra de um excelente psicólogo, Evandro Layre, que já tratou centenas de mães em sua carreira. Ele dizia que as mulheres que mais tinham mais problemas com seus filhos na adolescência eram aquelas que passavam a maior parte do tempo tentando fazer com que eles seguissem regras. Ao mesmo tempo, o constante confronto lhes afastava de uma conexão afetiva mais profunda.
A disciplina sem dúvidas é imprescindível, mas precisa ser positiva e regada a afeto, segurança e empatia. Também entendo a maternidade como uma missão, de formar uma pessoa que vai fazer a diferença nesse mundo, aliás esse foi um dos meus principais motivadores na decisão de ter um filho. E isso me força a ser uma pessoa melhor todos os dias. Nós ensinamos nosso filho a tratar as mulheres com carinho e gentileza, a respeitar os mais velhos e as autoridades, a ajudar as pessoas necessitadas, a se conectar com os diferentes, e isso demanda acima de tudo ser exemplo. Mas é um preço que vale muito a pena pagar.
A maternidade não enterra seus projetos pessoais.
Mães são pessoas que têm sonhos e vontade própria. Ninguém tem o direito de determinar o que você deve fazer ou onde você quer chegar. Com muito afeto e atenção nos momentos em família, seus filhos jamais se lembrarão de você como uma pessoa ausente. Não abra mão do que te faz feliz, com coragem, organização e disciplina, as mulheres podem mudar o mundo, as mulheres podem tudo o que quiserem. Inclusive as mães. Avante!
Fonte: *Marina Franco é Vice-presidente de Engenharia na Healthtech Theia, clínica moderna centrada na gestante, que alavanca tecnologia para revolucionar a saúde da mulher.