A volta às aulas depois do período de férias é sempre um momento de grande ansiedade para as crianças e adolescentes. E para os com TEA, além da excitação/preocupação natural com esse momento, há alguns detalhes específicos que podem fazer grande diferença nesse momento.
Segundo o último Censo escolar do Brasil, divulgado em 2022, houve um aumento de 280% no número de estudantes com TEA matriculados em escolas públicas e particulares apenas no período entre 2017 e 2021. No Brasil, dados da Organização Mundial da Saúde sugerem a existência de dois milhões de autistas, mas esta estimativa é considerada desatualizada. Ou seja, não apenas os pais devem se preocupar com esse retorno, mas as escolas também. “A rotina é muito importante para as crianças e adolescentes autistas. Então, depois desse período de férias, é preciso ficar atento à essa transição para que a volta às aulas ocorra sem traumas ou crises”, pontua a neuropsicóloga Bárbara Calmeto, do Autonomia Instituto, que continua: esse pode ser um momento mais temida para os pais. Entretanto, com o suporte adequado e seguindo alguns protocolos, é possível ser bem-sucedido”.
A seguir, ela enumera como os pais e a escolas podem ajudar nessa volta às aulas.
– Antecipação de situações: Quando sabemos o que vai acontecer em determinadas situações, como a volta das aulas, não somos pegos de surpresa, certo? Para crianças e adolescentes com TEA, essa previsibilidade é extremamente importante. Portanto, dê essa noção à criança/adolescente, explicando que em breve as aulas e aquela rotina vão voltar. Para isso, use dicas visuais explicando o que vai acontecer, como será a rotina antes de ir para a escola, quanto tempo vão ficar lá, explique também o que vocês vão fazer de ação efetiva no dia a dia;
– Voltando à rotina: Como o objetivo é que a criança/adolescente se familiariza com a rotina que vai começar (ou melhor, voltar), comece a introduzir pequenas mudanças no dia a dia antes da volta às aulas. Se o objetivo é acordar às 6h e está acordando às 9h, a cada dia se aproxime um pouco mais do horário que será o habitual. Isso vai permitir que ela se ajuste. Faço isso também com outros horários que fazem parte da rotina, como as refeições, hora de brincas, de dormir etc. Lembre-se: a previsibilidade dá segurança;
– Comunicação: Ao falar com a pessoa autista, module a voz com entonações que ajudem a criança/adolescente a identificar emoções, como falar com entusiasmo sobre a volta às aulas. Mostre também, por meio de gestos e olhares, a sua empolgação com esse retorno. Outra estratégia interessante é usar sentenças curtas, com poucas palavras, e sobre assuntos que sejam de interessa da criança/adolescente, como experiências que terão em uma aula que gostem da matéria. Outra forma de comunicação é por meio dos estímulos visuais. Você pode usar imagens da escola e calendários com horários para que entendem como e quando irão para a escola. Além disso, é importante que o ambiente onde essa interação/comunicação aconteça não tenha muitos estímulos, como sons, luzes e outras pessoas se movimentando o tempo todo. Uma dica importante, que também é relacionada à comunicação, diz respeito ao toque e ao volume da voz, seja de quem está conversando ou de algo no ambiente. Lembre-se: indivíduos com TEA são hipersensíveis e se observar que algo está incomodando, tente compreender o que a pessoa com TEA está sentindo;
– Mudança de escola: Crianças e adolescente com autismo têm mais dificuldades para lidar com mudanças. Isso ocorre porque têm dificuldades de prever situações que vão acontecer e a rotina traz uma previsibilidade de conforto. Quando estão acostumadas a uma escola, a criança/adolescente já sabe o que vai acontecer, como vai acontecer, com quem estará e onde, e, com isso, se organiza sobre as ações que precisará ter naquela situação. Então, se houver alguma mudança de escola, é preciso estimular as variações e as flexibilidades nas intervenções para que os muitos imprevistos que possam acontecer não desencadeiem crises. Vale frisar, portanto, que nas terapias é preciso trabalhar certa flexibilidade cognitiva e treinar situações de imprevisto para que a criança/adolescente ganhe repertório de lidar com situações novas e inesperadas. E a previsibilidade das situações, nesses casos, deve se estender aos professores e demais membros da equipe escolar. Converse sobre as necessidades da criança/adolescente para que o plano de apoio individualizado esteja atualizado e de acordo com as necessidades daquela criança/adolescente;
– Evitando o bullying: O desenvolvimento infantil é uma fase de muitos desafios para todas as crianças, inclusive na fase da adolescência. Para adolescentes com TEA mais ainda porque as demandas sociais são maiores e o bullying começa a acontecer. Para minimizar os danos, é importante buscar uma rede de apoio empática e tolerante com outros alunos, amigos e familiares de amigos que consigam compreender e lidar com as necessidades específicas desse jovem e inseri-los em atividades quere unam outros colegas. Além disso, o adolescente deve treinar em suas terapias estratégias de habilidades sociais e vida funcional para que tenha sucesso nas atividades diárias.
Em tempo: “Se a criança e adolescente apresenta algumas nuances do TEA, mas ainda não há o diagnóstico, sugiro que os pais e responsáveis descubram mais rapidamente sobre a condição do filho, para que o retorno às aulas aconteça de forma tranquila e seguindo os protocolos sugeridos para quem tem o transotrno. A falta de um diagnóstico correto o quanto antes, principalmente quando se fala em TEA Nível de Suporte 1, que tem suas particularidades muitas vezes confundidas com um possível mau comportamento, pode levar a criança e o adolescente a terem suas crises confundidas com birras ou falta de respeito. Porém, uma vez que recebam o diagnóstico correto, é possível adequar as situações ao transtorno e, consequentemente, dar mais qualidade de vida ao indivíduo com TEA, inclusive em momentos como a volta às aulas”, diz Calmeto. E complementa: “É essencial que os pais entendam que não é birra. Isso é um alerta muito importante. Acreditar que um determinado comportamento da criança/adolescente com TEA, que parece uma malcriação, é desencadeado simplesmente por ela não ter um desejo atendido pode atrapalhar todas as ações realizadas para promover o desenvolvimento de suas habilidades”, conclui
Fonte: Neuropsicóloga Bárbara Calmeto, do Autonomia Instituto