Violência física, psíquica e sexual durante a gravidez influenciam a gestação e vida adulta do bebê

Pesquisa acompanhou 900 mulheres e constatou prejuízos para a mãe e principalmente para o bebê

Projeto da Faculdade de Medicina da USP (FMUSP) acompanhou 900 mulheres grávidas do distrito do Butantã, zona oeste de São Paulo, pertencentes à nova classe C, e constatou que, durante a gestação, 27% sofreram algum tipo de violência (física, psíquica ou sexual), 29% tiveram depressão, 16% ansiedade e 4% dependência de álcool ou drogas. Essas condições estão associadas a uma maior ocorrência de retardo de crescimento intrauterino nos bebês, ou seja, peso e altura abaixo do esperado para a idade gestacional em que o bebê nasceu. “Crianças nascidas nestas condições têm aumentadas as chances de, na vida adulta, apresentarem hipertensão, diabetes, obesidade e transtornos mentais, doenças que têm um custo muito alto para um país”, alerta o médico pediatra e professor da FMUSP, Alexandre Ferraro.

Esses dados fazem parte dos resultados preliminares obtidos pelo Projeto Butantã – Novas Ferramentas na Compreensão do Desenvolvimento Infantil: a Interação gene-ambiente e a Conectividade Neuronal, realizado sob a coordenação de Ferraro e da psiquiatra infantil Bacy Fleitlich-Bylik, do Instituto de Psiquiatria da FMUSP. A pesquisa está inserida no âmbito do Instituto Nacional de Psiquiatria do Desenvolvimento para Infância e Adolescência (INPD), coordenado pelo professor Eurípedes Constantino Miguel, da FMUSP. O INPD é um dos Institutos Nacionais de Ciência, Tecnologia e Inovação (INCTI) do Ministério de Ciência, Tecnologia e Inovação (MCTI).

De acordo com Ferraro, os índices obtidos são semelhantes a países como Índia e Paquistão e três vezes maiores que os encontrados em países desenvolvidos. “As consultas pré-natais realizadas atualmente no Brasil têm como foco as questões biológicas da mãe e do bebê e não levam muito em conta outros aspectos da vida das gestantes, como ocorrência de violência física, sexual e psicológica, e os transtornos mentais, como depressão e ansiedade”, aponta.

A pesquisa teve o objetivo de averiguar como a existência de condições estressoras do ambiente pode influenciar as crianças, desde o ambiente intrauterino até os 2 anos. O projeto contou com um total de 20 psicólogas treinadas para a aplicação dos questionários nas gestantes de Unidades Básicas de Saúde (UBS) do distrito do Butantã, na capital paulista, que aceitaram participar do projeto. Foi realizado um estudo de coorte (acompanhamento) com coletas de dados da mãe na 28ª semana de gestação e dos bebês aos 2, 6 e 9 meses, 1 ano, 1 ano e meio e 2 anos. O início foi em 2011, sendo finalizado no final de 2014.

Além das entrevistas, foram coletadas amostras de fio de cabelo da mãe no último trimestre de gestação para detectar a presença de cortisol, um marcador biológico de estresse.

Bebês em desvantagem

Por meio das entrevistas e da observação de campo, foi possível constatar também que as crianças com 6 meses de idade apresentavam uma frequência de atraso na linguagem de 8%, no desenvolvimento motor de 11% e cognitivo de 3%, sendo que a depressão e o uso de álcool e drogas durante a gestação contribuíram de forma significativa com esse atraso. “Até os 6 meses os bebês estão mais protegidos do ambiente. A partir daí, ele vai desmamar, vai começar a engatinhar. O que observamos é que estes bebês já começam essa nova etapa da vida de modo bastante desfavorável”, analisa.

Ferraro ressalta que as mães com depressão e história de abuso de álcool e drogas apresentam um menor autocuidado, ou seja, vão menos ao pré-natal, se cuidam menos, têm uma dieta menos equilibrada e isso poderia influenciar esses resultados. “Depois que retiramos os efeitos negativos do autocuidado, percebemos que permaneceu a associação com atraso de desenvolvimento da linguagem, da parte motora e cognitiva”, explica.

Os pesquisadores também coletaram saliva de pais, mães e crianças com o objetivo de avaliar a interação gênica. “Queremos compreender como essas exposições às situações estressoras podem influenciar a expressão gênica, ou seja, a existência de genes expressos ou não nessas crianças”, diz. As análises ainda estão sendo realizadas.

Contato com Professor Alexandre Ferraro no email [email protected]

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