Gravidez prolongada: o que dizem as evidências atuais

No Brasil tem sido frequente a indicação de cesariana quando a gestação ultrapassa 40 semanas mesmo não havendo indicações científicas para esse procedimento.

Gestação prolongada, ou seja, a partir de 42 semanas, ocorre em aproximadamente 5% dos casos, enquanto aproximadamente 10% de todas as gestações se estendem além de 41 semanas (1). É certo que as gravidezes realmente prolongadas (além das 42 semanas) são relativamente raras, uma vez que em muitos casos ocorre um erro na determinação da idade gestacional, porque a data da última menstruação não está correta, ou porque houve uma ovulação tardia e a fecundação não ocorreu por volta do 14º dia do ciclo.

Justamente por esse motivo, uma política de indução do parto ou, como ocorre com certa frequência em nosso país, de cesariana eletiva depois de 40 semanas (ou até antes!) pode promover danos, uma vez que bebês ainda não preparados para nascer podem ser retirados prematuramente do ventre de suas mães. A realização de ultrassonografia precoce (primeiro trimestre) reduz a frequência de diagnóstico de gravidez prolongada, uma vez que boa parte dos casos se deve a erro de datação da idade gestacional (1).

Melania, nascida com 43 semanas e 02 dias, 4250g e 53cm, nos braços de Léa e Amorim (pais) - Foto: Arquivo pessoal Dra. Melania AmorimMelania, nascida com 43 semanas e 02 dias, 4250g e 53cm,nos braços de Léa e Amorim (pais) Foto: Arquivo pessoal / Dra. Melania Amorim

Por outro lado, mesmo gestações realmente prolongadas, datadas corretamente, com idade gestacional confirmada por ultrassonografia precoce, podem ser fisiologicamente prolongadas, porque aquele bebê, especificamente, ainda não está maduro, pronto para nascer, e portanto não se ativa a complexa cascata de eventos hormonais e bioquímicos que leva à deflagração do trabalho de parto. Esses bebês também não se beneficiam de uma política de antecipação do parto, quer por indução quer por cesariana, como ocorre aqui no Brasil, onde infelizmente “antecipar o parto” virou sinônimo de cesariana eletiva.

O maior temor de uma gestação prolongada é que, com o passar do tempo, possa ocorrer insuficiência placentária, com redução do aporte de nutrientes e oxigênio para o bebê, o que pode acarretar aumento de morbidade e mortalidade perinatal, com maior frequência de morte perinatal, anormalidades da frequência cardíaca fetal intraparto, eliminação de mecônio, macrossomia e cesariana (1-4).

Há controvérsias em relação à conduta obstétrica, sendo que a literatura disponível consiste de ensaios clínicos randomizados comparando indução sistemática a partir de 41-42 semanas versus expectação com monitorização do bem-estar fetal (1-4). Não estão disponíveis ensaios clínicos randomizados para avaliar via de parto em gestação prolongada, porém a indução do parto tem sido proposta em todos os ensaios clínicos que comparam conduta ativa com conduta expectante (1-4). Infelizmente, no Brasil, tem sido frequente a indicação de cesariana quando a gestação ultrapassa 40 semanas, sobretudo no setor privado, sobretudo se a paciente já escapou anteriormente de uma indicação de cesariana por condições sem respaldo científico anteriormente (5), porém essa conduta não é corroborada por evidências.

Estão disponíveis na literatura quatro revisões sistemáticas com metanálise abordando a conduta na gravidez que se estende além do termo. Na revisão sistemática de Sanchez-Ramos e colaboradores, publicada em 2003, foram incluídos 16 estudos e observou-se que a indução do parto a partir de 41 semanas, quando comparada à conduta expectante, resultou em menor taxa de cesáreas (20,1% versus 22%) e de líquido amniótico meconial (22,4% versus 27,7%), porém, não houve diferença em termos de mortalidade perinatal, escores de Apgar, admissão em UTI neonatal e síndrome de aspiração meconial. Os autores sugerem que a indução do parto a partir de 41 semanas reduz as taxas de cesárea sem comprometer o prognóstico perinatal (2). No entanto, a redução do risco de cesariana foi apenas marginal.

Outra revisão sistemática publicada em 2009 incluiu 13 ensaios clínicos randomizados com 6.318 mulheres com idade gestacional a partir de 41 semanas (3) e não encontrou redução da mortalidade neonatal com a conduta expectante, verificando-se um risco relativo de 0,33 (IC 95%=0,10-1,09), porém a indução eletiva se associou com redução significativa da síndrome de aspiração meconial (RR=0,43; IC 95%=0,23-0,79), sem diferença no número de admissões em UTI neonatal. O risco de cesariana foi menor em mulheres no grupo da indução (RR=0,87; IC 95%=0,79-0,96), que apresentaram também menor peso fetal (diferença em torno de 100g). Um dos estudos incluídos avaliou satisfação materna e encontrou maior satisfação no grupo submetido à indução do parto (74% vs. 38% referiram preferir a mesma conduta em gestação subsequente). Os autores concluem que a metanálise ilustra um problema com desfechos raros, como mortalidade perinatal, destacando que nenhum estudo com amostra adequada foi ainda publicado, de forma que a metanálise da literatura pode não ser suficiente, e que a conduta mais adequada nas gestações que se estendem além de 41 semanas persiste por ser elucidada. Destacam que uma política liberal de indução poderia sobrecarregar as maternidades e que grandes ensaios clínicos precisam ser conduzidos com o poder de gerar conclusões satisfatórias (4).

Uma revisão sistemática publicada em 2011 incluiu 14 ensaios clínicos randomizados (4). A metanálise sugeriu que a indução eletiva do parto a partir de 41 semanas se associa com redução do risco de morte perinatal (RR=0,31; IC 95%=0,11-0,88) comparada com a conduta expectante, porém não houve redução do risco de morte fetal (RR=0,29; IC 95%=0,06-1,38). Todos os ensaios clínicos incluídos nessa revisão foram pequenos com um número de desfechos adversos bastante baixo tanto no grupo da intervenção como no controle. A prática de indução do parto também se associou com redução do risco de síndrome de aspiração meconial (RR=0,43; IC 95%=0,23-0,79) e de macrossomia (RR=0,72; IC 95%=0,54-0,98). Os autores sugerem que a indução do parto parece ser uma forma efetiva de reduzir a morbidade e a mortalidade perinatal em gestações pós-termo, devendo ser oferecida às mulheres com idade gestacional a partir de 41 semanas, depois de se discutir os benefícios e riscos da indução do parto.

Na revisão sistemática disponível na Biblioteca Cochrane, atualizada em 2012, foram incluídos 22 ensaios clínicos randomizados e 9383 mulheres submetidas à indução do parto (conduta ativa) ou expectação com monitoração da vitalidade fetal (em geral cardiotocografia e avaliação do líquido amniótico) (1). A maioria dos estudos (n=17) incluiu gestantes com 41 semanas (n=4) ou mais (n=13), embora alguns tenham incluído gestações a partir do termo (entre 37 e 39 semanas). No grupo submetido à indução do parto verificou-se redução significativa do risco relativo de morte perinatal (RR=0,31; IC 95%= 0,12-0,81), embora o risco absoluto tenha sido baixo, com uma taxa de morte perinatal de 0,03% na conduta ativa e 0,35% no grupo da conduta expectante. O risco de cesariana também foi significativamente menor com a conduta ativa, porém essa diferença não foi de grande magnitude (RR= 0,89; IC 95%=0,81 – 0,97), com taxas de cesariana de respectivamente 16,3% e 19,3%. Não houve diferença na taxa de natimortos ou de morte neonatal nos dois grupos. A incidência de síndrome de aspiração meconial foi menor no grupo submetido à indução do parto (RR=0,50; IC 95%=0,34-0,73), porém não houve diferença na frequência de asfixia perinatal, baixos escores de Apgar e admissão em UTI neonatal. A média de peso ao nascer foi significativamente menor no grupo da conduta ativa, em torno de 58 gramas, com redução dos casos de macrossomia fetal (RR=0,73; IC 95%=0,64-0,84). O risco de parto instrumental foi marginalmente maior nos casos de indução do parto (RR=1,10; IC 95%=1,00-1,21), mas as taxas foram semelhantes (22% vs. 19%). Não houve diferença na frequência de hemorragia pós-parto.

Na discussão dessa revisão sistemática da Cochrane, os autores destacam que o ponto de corte ideal para oferecer a indução do parto além do termo persiste por ser elucidado, porque tanto os ensaios clínicos randomizados incluídos utilizaram limites diferentes de idade gestacional como as diretrizes de sociedades divergem em estabelecer o ponto de corte, que em geral varia entre 41 e 42 semanas (1). Tanto o Canadá (6) como o Reino Unido (7) oferecem uma política de indução do parto a partir das 41 semanas, enquanto uma análise da Noruega indica que estabelecer o ponto de corte de 41 semanas para indução pode resultar em 240 induções por 1.000 gestações, contra 90 por 1.000 para o ponto de corte de 42 semanas e apenas quatro por 1000 com 43 semanas (8). Sugere-se que o número de induções necessárias para prevenir um caso de morte perinatal seja muito alto (9), porquanto seriam necessárias 416 induções com 41 semanas para prevenir um caso de morte perinatal. Todavia, a mulher que experimenta uma gravidez prolongada é certamente a pessoa mais indicada para avaliar o limite que lhe é mais satisfatório, existindo evidências de que a maioria das mulheres incluídas em um ensaio clínico de indução vs. expectação a partir de 41 semanas escolheriam a indução entre 41 e 42 semanas em uma gestação ulterior (10).

Nessa revisão sistemática Cochrane, os autores sugerem que, dada a redução da morte perinatal observada na metanálise (apesar de o risco absoluto ser pequeno), sem aumento do risco de cesariana, a indução do parto deve ser oferecida às mulheres com idade gestacional entre 41 e 42 semanas, com informação sobre os riscos absolutos e relativos dos diferentes desfechos, reconhecendo-se que as preferências e expectativas das mulheres podem diferir. Se uma mulher escolhe esperar pelo início do trabalho de parto, é prudente realizar monitoração fetal, uma vez que os estudos epidemiológicos longitudinais sugerem risco aumentado de morte perinatal com o avançar da idade gestacional (1).

O American College of Obstetricians and Gynecologists em sua diretriz de 2004 não estabelece um ponto de corte definido para indução do parto (11), porém recomenda a monitoração fetal quando se vai realizar conduta expectante, apesar de o método ideal de monitoração não ter sido ainda estabelecido. A avaliação do líquido amniótico parece ser importante, porém o ponto de corte para definir oligo-hidrâmnio em gestações pós-termo não foi validado e tanto cardiotocografia como perfil biofísico fetal podem ser utilizados, embora a maioria dos protocolos proponha exclusivamente a associação da avaliação do líquido amniótico com a cardiotocografia, cuja periodicidade ideal também não foi definida (11). Amnioscopia não é recomendada (12). Dopplervelocimetria não tem valor na gestação prolongada e não é recomendado para avaliação fetal nessa circunstância (11,13).

Em nossa opinião, corroborada por outros autores (1,3, 9,14) as mulheres devem ser esclarecidas sobre riscos e benefícios associados com a indução do parto a partir de 41 semanas, e devem fazer suas escolhas depois da informação. Não há indicação de cesariana porque a gravidez ultrapassou 40 ou 41 semanas, mesmo com colo desfavorável, sendo que a controvérsia da literatura diz respeito apenas a expectar, aguardando o trabalho de parto espontâneo, ou realizar indução do parto.

Algumas mulheres não querem ser submetidas a protocolos de indução do parto e irão ficar mais satisfeitas aguardando o trabalho de parto espontâneo, porque veem o parto como um processo fisiológico e desejam que este seja o mais natural possível; outras irão preferir uma indução, pelo receio de um risco relativo maior de morte perinatal e aspiração meconial (10). Esta é uma decisão que só a gestante pode tomar, e que deve ser considerada por todo mundo que escreve e pesquisa sobre gravidez prolongada. Na prática clínica diária, obstetras, enfermeiras-obstetras e obstetrizes devem esclarecer às mulheres sobre riscos e benefícios envolvendo a decisão (9, 14), programando estratégias de monitorização do bem estar fetal quando se opta por conduta expectante. Essa monitorização está indicada devido ao aumento do risco de morte fetal na medida em que a gravidez se estende além de 41 semanas (1).

Na conduta expectante, a maioria dos autores sugere avaliar o líquido amniótico através da medida do maior bolsão, considerando-se oligo-hidrâmnio um valor menor que 2cm (15-18) e realizar cardiotocografia duas a três vezes por semana (17, 18). Não há vantagem em se realizar perfil biofísico fetal (16). Dopplervelocimetria não tem papel na monitoração da gravidez prolongada (11, 16). Deve-se estar alerta para o fato de que todos os testes adotados podem ter resultados falsos positivos com o potencial de acarretar intervenções desnecessárias (13).

O descolamento de membranas pode ser oferecido para mulheres com 41 semanas ou mais de idade gestacional (19), reduzindo em torno de 40% a necessidade de indução quando realizado com 41 semanas e em 72% quando realizado com 42 semanas. Esse procedimento, no entanto, não pode ser imposto às pacientes, porque causa desconforto e traz inconvenientes, como contrações irregulares, pródromos prolongados, dor e sangramento.

O exato ponto de corte de idade gestacional para indicar indução do parto ainda não foi estabelecido, devendo-se individualizar os casos de acordo com as características e expectativas das gestantes. Recomenda-se prestar todo o esclarecimento, respondendo a eventuais dúvidas, e as gestantes devem assinar termo de consentimento quer prefiram aguardar o trabalho de parto quer decidam pela indução. No termo de consentimento devem constar vantagens e desvantagens de cada opção, incluindo as possíveis complicações da indução, como taquissistolia, frequência cardíaca fetal não tranquilizadora e síndrome de hiperestimulação uterina.

Os métodos para indução mais utilizados são sonda de Foley, ocitocina, prostaglandina (PGE2) e misoprostol (21). A sonda de Foley pode ser utilizada em pacientes com cesárea anterior e colo desfavorável, não aumentando o risco de hiperestimulação. Ocitocina está indicada se o colo é favorável (escore de Bishop maior ou igual a seis). Prostaglandina E2 e misoprostol podem ser utilizadas quando o colo é desfavorável, porém o misoprostol é contraindicado em mulheres com cesariana anterior. Misoprostol oferece vantagens em termos de custo, facilidade de uso, estocagem, efetividade e administração, podendo ser usado tanto por via oral como vaginal (21-24). Monitoração rigorosa da vitalidade fetal intraparto também deve ser realizada, independente se o trabalho de parto foi espontâneo ou induzido (9, 13, 21).

Devemos destacar, outrossim, que todos os esforços devem ser feitos para datar corretamente a gestação e evitar a interrupção eletiva antes do termo. Uma das consequências da política de interromper sistematicamente as gestações que ultrapassam 40 semanas tem sido o aumento das taxas de prematuros tardios (bebês que nascem entre 34 e 36 semanas) ou “termo precoces” (entre 37 e 38 semanas, aumentando a morbidade neonatal (25). Esses bebês apresentam risco aumentado de complicações no período neonatal, dentre os quais se destacam os distúrbios respiratórios e a icterícia (26,27).

Referências

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