Técnicas de reprodução assistida podem ser saída promissora para pacientes que têm o desejo de ter filhos após o tratamento
Avanços recentes na medicina e na oncologia referentes ao diagnóstico precoce e à eficácia dos tratamentos de pacientes com câncer promovem a cura em considerável número de pessoas, muitas delas jovens em idade reprodutiva. Infelizmente, alguns dos procedimentos contra tumores acabam afetando os ovários, entre outros órgãos reprodutores. Esse cenário traz uma demanda por um olhar integral sobre o paciente, focando não só no tratamento da doença, como também nas iniciativas que promovem mais qualidade de vida. A boa notícia é que dá para tomar medidas que preservam a fertilidade.
Segundo o relatório anual da Sociedade Americana de Câncer (ACS), as taxas de mortalidade por câncer caíram consideravelmente nos últimos 30 anos. Segundo os dados do grupo, o número de mortes em razão da doença caiu 32% em relação à maior taxa histórica, entre 1991 e 2019. Assim, é importante que o médico que trata o paciente com câncer tenha conhecimento das técnicas atuais para preservação da fertilidade a fim de garantir, após a cura, a possibilidade de terem filhos, se assim desejarem.
Um olhar para o futuro
A fertilidade do paciente deve ser abordada pelo oncologista no momento em que começa o planejamento do tratamento. Após o diagnóstico, o médico vai optar, junto com o paciente, por alguma estratégia terapêutica e quando iniciá-la. No caso de quimioterapia, por exemplo, será preciso entender quando administrá-la, uma vez que os remédios podem causar infertilidade.
“A quimioterapia, a cirurgia e a radioterapia às vezes promovem lesões nos ovários. Mas isso depende do tipo de tumor, do tipo de tratamento, do tipo de droga, da dose e do número de sessões. A prioridade do oncologista será sempre curar a doença, mas ele não poderá perder de vista os desejos futuros da paciente”, explica o Dr. Daniel Gimenes, oncologista da Oncoclínicas São Paulo.
Os desafios
Quando o risco de infertilidade é abordado, o fator idade também merece atenção. As mulheres, por exemplo, têm uma reserva de óvulos que diminui com os anos. Se a reserva é mais baixa, o risco de o tratamento afetar a fertilidade é maior. Algumas opções que podem ser discutidas com a equipe médica, entre elas o congelamento de óvulos, que é a técnica mais comum, além do congelamento de embriões, congelamento de tecido ovariano e a supressão ovariana.
“Preservar a fertilidade vai muito além dos impactos físicos. A parte emocional também é envolvida em todo o processo. Por isso, junto com uma equipe multidisciplinar, é fundamental considerar ambas as questões no planejamento do método mais adequado”, explica o oncologista.
O maior desafio na preservação da fertilidade de pacientes com câncer é a desigualdade no acesso a tratamentos e técnicas oferecidos pelo sistema de saúde. No Brasil, o acesso à reprodução assistida ainda é muito restrito à iniciativa privada e, muitas vezes, sem cobertura dos planos de saúde.
E depois do tratamento?
De acordo com o oncologista, após o tratamento contra o câncer conversar com um especialista é um caminho importante. “Nos casos em que a fertilidade é recuperada, é recomendado tentar a gravidez de maneira natural. No entanto, se houver dificuldade para engravidar após seis meses do tratamento, converse sempre com o seu médico. Em alguns casos, consultar um especialista em fertilidade também pode ser necessário durante o processo”, explica.
Vale reforçar ainda que até o momento não existem afirmações científicas que relacione malformações congênitas nos bebês aos efeitos do tratamento contra o câncer de modo geral.
A oncofertilidade
O termo oncofertilidade descreve uma área que conecta a oncologia à medicina reprodutiva, com o objetivo de desenvolver e aplicar novas opções para a preservação de fertilidade em jovens pacientes com doenças ou tratamentos com riscos à fertilidade.
Um conceito mais recente remete ainda ao uso de terapias mais conservadoras, que consigam preservar a fertilidade e proporcionar a mesma chance de cura do tratamento radical, principalmente naquelas neoplasias que envolvam o trato ginecológico, como colo de útero, ovário ou endométrio.
Dados reafirmam a importância crescente da área dentro da oncologia. No Brasil, cerca de 19% dos casos novos de câncer em mulheres ocorrem em pacientes de até 44 anos de idade, e 21% até os 49 anos, período considerado fértil para cerca de 90% das mulheres. Na faixa etária de 20 a 39 anos, alguns dos tumores mais incidentes são câncer de mama, colo uterino e ovário, todos podendo afetar a fertilidade.
“O objetivo desta área da oncologia vai muito mais além, pois o oncologista tem uma responsabilidade muito grande de se atentar aos detalhes, ou seja, ter um olhar humanizado tanto para a cura, como para a fertilidade da paciente”, comenta Daniel Gimenes.
Apesar de ser um momento bastante delicado, é fundamental orientar e conscientizar sempre. “É necessário comentar sobre os riscos e benefícios, além de alternativas para que possa ser escolhido a melhor opção de tratamento. E cabe também ser a rede de apoio para aquela paciente, dando o suporte necessário pra que o momento seja o mais leve possível”, finaliza.
Autor: Dr. Daniel Gimenes, oncologista da Oncoclínicas São Paulo.