Slow Down

A urgência do mundo moderno está criando famílias sem vínculos e crianças ansiosas

Será que não dá para ir mais devagar com nossas crianças?

Pra mim, nada mesmo acontece por acaso. Pode até demorar, mas não é por acaso também.

Escrevi algumas “séries” a respeito de desfralde, crises do primeiro ano de vida, sono, introdução de alimentação e os retornos foram muito interessantes.

Durante as consultas, costumo alertar muitos pais sobre a busca da perfeição, tanto neles, para serem pais perfeitos, como nas crianças, para serem crianças perfeitas.

No dia 3 de novembro de 2013, um fato que me chamou a atenção foi uma manifestação ocorrida no Parque da Água Branca, com a participação de cerca de 1500 pessoas, promovido pelo Respire Cultura, com parceria do Instituto Alana: a primeira edição do “Slow Kids”. A palavra de ordem é a desaceleração.

E qual a relação desse movimento com as matérias que eu escrevi e com as consultas que eu faço? Slow Down! Calma, relaxe. Eu já conto.

Criança movendo peça gigante de xadrez - Foto: Alliance/Shutterstock.com

Acabei de voltar de férias (as maiores que já curti) e tive tempo de sobra para pensar e reavaliar.

O mundo de hoje tornou-se exigente, competitivo, muito acelerado e isso está causando mudanças comportamentais importantes, nem todas favoráveis. Não há como negar os benefícios da tecnologia em quase todas as áreas da nossa vida, mas há que se ter um pouco mais de critérios.

A busca do desempenho ideal, da perfeição está tomando conta do imaginário de todos, em especial dos pais e dos educadores. Andar antes, falar antes, retirar as fraldas logo, aprender novos e mais idiomas antes, iniciar a alimentação assim que possível e dar de tudo para um bebê que até os 6 meses só mamava o leite materno parecem ser indicadores de mais inteligência, de mais chance de crescimento e desenvolvimento, de maior habilidade física, de mais sucesso e tudo isso mais precoce.

E assim, a pressão que as crianças sofrem em busca de satisfazer as expectativas criadas está mudando o conceito de infância que tínhamos, transformando nossos filhos em executivos-mirins. Como costumo ler, ouvir e até escrever: Crianças não são adultos em miniatura.

E por mais incrível que pareça, estamos tendo cada vez mais que explicar e provar o óbvio: que o aleitamento materno é importante, que uma alimentação adequada é importante, que o vinculo familiar é importante e agora que a pressa ainda pode ser inimiga da perfeição.

Segundo Carl Honoré, autor de vários livros sobre o assunto, criador do termo “slow parenting” (pais sem pressa), a urgência do mundo moderno está criando famílias sem vínculos e crianças ansiosas, que vivem sob uma agenda e sem tempo para serem crianças, descompromissadas, e apenas brincar.

Importante entender melhor o sentido do Slow a que se refere essa ideia. Nosso ritmo é acelerado. Não estamos respeitando o ritmo de nossas crianças, por exemplo, na retirada de fraldas. É necessário primeiro que a criança sinta que fez, depois sinta que está fazendo, depois sinta que quer fazer e só então, quando ela consegue controlar seu xixi e seu cocô, iniciar o “treinamento”.

Além de não serem adultos em miniatura, cada criança é uma criança única, com suas necessidades, suas capacidades, suas dificuldades e, principalmente, com seu tempo. Estamos desrespeitando o tempo de nossas crianças e perdendo a chance de vê-las desabrochar. E isso, mesmo com toda tecnologia do mundo à disposição, não é bom.

Não é necessário que nenhuma criança tenha seu tablet, ou seu iPhone, ou seu videogame de última geração (que em 3 meses deixará de ser o mais moderno). Criança precisa de família. Criança precisa de criança. Criança precisa brincar. Criança precisa de respeito. Criança precisa de amor e atenção incondicionais. Criança precisa de tempo para ser criança.

Isso não quer dizer que devemos deixar as crianças sem limites e cuidando de seu próprio rumo. É responsabilidade dos pais conduzir e acompanhar o crescimento e desenvolvimento de seus filhos. Muitas vezes precisamos dizer não, em algumas situações até mais vezes do que estamos fazendo hoje e de forma mais firme. Os limites fortalecem a sensação de segurança das crianças e permitem que elas cresçam livres, mas com respeito, direitos e responsabilidades.

Até pelo menos 5 anos de idade, as crianças precisam de tempo e espaço, em brincadeiras não estruturadas. Assim, as crianças aprendem a imaginar, a criar, a inventar, a pensar, a se descobrir.

Que tal aproveitar que o final de ano está chegando, época de Natal, festa em que as famílias se reúnem, férias longas em que podemos dedicar mais tempo aos nossos filhos, sobrinhos e netos e… repensar, com calma, nossa programação para 2014 e para o resto de nossas vidas.

Mas não é para resolver tudo-agora-de-uma-vez-sem-respirar-bem-rapidinho… ufa. Slow Down! Relaxe! Não há uma regra, uma única fórmula. Cada família tem sua dinâmica, seu ritmo. Aprenda a conhecer, a ver, a ouvir seu filho.

E lembre-se. Converse com seu pediatra. Ele pode ser um grande aliado nesse momento.

Pra terminar, gosto muito da letra de uma música antiga, que fez muito sucesso em uma regravação de uma das maiores cantoras de todos os tempos (em minha modesta opinião, mas pra mim foi sim): Whitney Houston e a música éThe Greatest Love of All. Pare um tempinho agora e escute… Lindo.

I believe the children are our future
(Eu acredito que as crianças sejam nosso futuro)

Teach them well and let them lead the way
(Ensine-as bem e deixem-nas liderar o caminho)

Show them all the beauty they possess inside
(Mostrem-lhes toda a beleza que elas têm por dentro)

Give them a sense of pride to make it easier
(Dêem-lhes um senso de orgulho para ficar mais fácil)

Let the children”s laughter remind us how we used to be
(Deixem que o riso das crianças nos lembre de como éramos)

Dr. Moises Chencinski

Formado pela Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo com título de especialista em pediatria pela Associação Médica Brasileira (AM...

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