“As mães atípicas estão sobrecarregadas e não estão sendo cuidadas”, diz fonoaudióloga

Estudo mostra que mães de autistas têm 50% mais chances de morrer de câncer. Outro estudo aponta que 78% dos pais abandonaram crianças com deficiências antes dos cinco anos de vida

A negligência paterna é uma realidade no Brasil, onde 5% dos nascimentos registrados em cartório não constavam o nome do pai. Nos últimos dois anos de pandemia do coronavírus, o percentual cresceu para 6%. Mas o abandono não acontece apenas no nascimento. Em 2012, um levantamento do Instituto Baresi mostrou um dado assustador: 78% dos pais abandonaram suas crianças com deficiência ou doenças raras antes delas completarem cinco anos de idade.

Apesar de os dados serem de uma década atrás, a fonoaudióloga e diretora do Centro de Especialidades BabyKids, Daniella Sales Brom, acredita que esse percentual seja ainda maior. “Quando eu trabalhava no CRER (Centro de Reabilitação e Readaptação Dr Henrique Santillo), sempre que atendia uma mãe novata ela havia se divorciado recentemente e o motivo era sempre o mesmo: o diagnóstico da criança”, lamenta a profissional.

Com experiência de mais de 15 anos como fonoaudióloga e uma carreira já consolidada no atendimento a essas crianças, Daniella afirma que o trabalho da equipe multidisciplinar é holístico e vai além do consultório. “E um dos pontos mais marcantes que a gente trabalha com frequência é justamente a falta do pai. No primeiro contato com a família, eu pergunto na entrevista se o pai fica com a criança fim de semana ou se tinha a participação dele para alguma atividade e a resposta é muito mais focada no abandono do que na separação”, pontua.

A realidade dura das mães solo de crianças atípicas

Segundo ela, nas classes mais baixas esse abandono é quase imediato ao diagnóstico e é muito maior. Atualmente, atendendo apenas no consultório, Daniella diz que ainda é grande o número de mães solo, mas mesmo as mães que são casadas estão sempre sobrecarregadas. Segundo o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), quase 12 milhões de mulheres vivem a realidade extenuante e cruel de ser uma mãe solo.

“São elas que cuidam de toda a alimentação e necessidades da criança, levam para a escola, para a terapia, recebem atendimento dos profissionais em domicílio e ainda precisam cuidar da casa. A gente percebe que essas mães não estando sendo cuidadas. E não estou falando só de cuidado estético, mas o cuidado saudável mesmo. Existe o mito da mãe e da mulher guerreira que cria a ilusão de que as guerreiras não precisam de ajuda ou de apoio. Considero isso capacitista porque as mães precisam de ajuda, até para tomar um banho mais demorado. Se eu sinto isso, imagina quem escuta com frequência que são ‘iluminadas por ter uma criança assim’. É uma barra”, diz.

No consultório, Daniella percebe que os primeiros, e mais graves, sintomas da mãe sobrecarregada são a frustração e o desânimo. “Elas têm uma baixa tolerância à frustração e se desanimam muito rápido. Por isso, nossa equipe busca sempre dar feedbacks explicando muito bem o que está acontecendo e temos o desafio de estar sempre encorajando essas mães para que elas saibam que seu esforço vale a pena”, explica a fonoaudióloga.

A verdade é que a relação da criança com a família também é muito importante para o seu desenvolvimento e o impacto desse abandono paterno é enorme e diário. “Primeiro porque é difícil cuidar quando você não está sendo cuidada e, em segundo lugar, porque as crianças sentem o desânimo e a frustração. Vira uma bola de neve e percebemos que a falta de participação dos pais faz toda diferença na vida da criança”, diz Daniella.

Estresse e risco de morte aumentado nas mães

Um estudo de 2010, publicado no Journal of Autism and Developmental Disorder, mostrou que pais de crianças com transtornos do espectro do autismo (TEA) possuem níveis de cortisol similares a soldados de combate e sobreviventes do Holocausto e relatam níveis mais altos de estresse e mais baixos de bem-estar psicológico do que pais de crianças com outras deficiências de desenvolvimento. Outro estudo de 2012, publicado na Revista PlosOne, mostra que mães de crianças com deficiência intelectual ou TEA têm mais que o dobro do risco de morte do outras mães. Os dados mostram que elas têm 40% mais chances de morrer de câncer; 150% mais probabilidade de morrer de doença cardiovascular e quase 200% mais probabilidades de morrer por “desventura” (como homicídios, suicídios ou acidentes de carro).

Daniella Sales Brom

Fonoaudióloga especialista em intervenções precoces e diretora do BakyKids Centro de Especialidades

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