Parto humanizado e a polêmica sobre as doulas

A sociedade precisa se mobilizar para reverter uma situação onde a principal interessada, a gestante, não está sendo ouvida e está deixando de ter o direito à escolha.

Todo o processo de gestação é um momento único e de ligação profunda entre a mulher e seu bebê. As condições de parto também são essenciais para uma conexão natural e humana entre a mãe, a família e a criança que vem ao mundo. É por essa ocasião tão especial que o parto humanizado vem ganhando adeptos no mundo todo e se popularizando nos últimos anos.

No Brasil, a Humanização do Parto ainda é polêmica e explicada através de mitos e medos. Os hospitais, uma parte da comunidade médica e a legislação ainda o entendem de maneira arcaica e sem um debate sério em torno do tema. Mesmo assim, a adesão ao parto humanizado vem sendo cada vez mais requerida e as mães têm lutado pelo poder de decisão no momento mais importante de sua vida. No ano passado, duas marchas a favor dessa escolha aconteceram em mais de 20 cidades por todo o país.

“O parto humanizado tem a gestante como protagonista”. É assim que Gisele Leal, doula, explica a filosofia do processo. Após duas cesáreas, ela teve seu terceiro filho pela prática humanizada e acabou abandonando uma carreira sucedida como gerente de qualidade para se dedicar à causa. Gisele se capacitou como doula, hoje cursa Obstetrícia na USP e atua em Movimentos de Apoio e Informação para as novas mamães que querem conhecer esse modo de parir. “A mulher decide e está à frente das decisões. Ela que escolhe que posição quer ficar, onde quer estar, como quer fazer, se quer comer. Ela não é paciente, é parturiente”.

E com essa ideia de separar o parto do fardo, da doença, da tensão, entra o papel da doula. A doula é uma profissional que acompanha a mulher no período pré, durante e pós-gestação. É uma orientadora, que acalma e informa a mulher. Explica as mudanças físicas e oferece apoio psicológico. “Eu costumo dizer que a doula é como o técnico de um atleta. É ele que vai competir, mas é o treinador que dá orientação e vai estar junto. No caso do parto, é a mesma ideia: é a mãe que vai parir, que vai cruzar a linha de chegada e a doula está ao seu lado para ajuda e colaboração”.

Esse mês a imprensa, inclusive o Guia do Bebê, noticiou que dois hospitais de São Paulo proibiram a presença de doulas durante o trabalho de parto (Leia no final desta matéria a versão dos hospitais para o ocorrido). A medida polêmica foi explicada pelas instituições através da legislação: o número de acompanhantes seria limitado, um por gestante, o que acaba impedindo a participação das doulas, pois sempre um membro da família participa. Gisele presenciou isso há pouco tempo. “Esses dias fui doula em uma grande maternidade de São Paulo, o pai não entrou na sala de parto, eu estava como acompanhante da mulher (ela optou por mim ao invés do marido) e mesmo assim sofri retaliação e a gestante foi super mal tratada por estar com uma doula.”

Por essas questões, a marcha em São Paulo (realizada no dia 3/2/2013) reivindica o direito de a doula ser vista pelo hospital como profissional, e não acompanhante. A prática combate a argumentação dos hospitais de riscos de infecção e o apoio aos partos normais. As cesáreas aumentam em 400% o risco de infecção. A Organização Mundial de Saúde recomenda que apenas 15% dos partos de um país sejam cesáreas. No Brasil, 52% dos partos são cirúrgicos, chegando ao número alarmante de 80% em hospitais privados.

Gisele ainda ressalta que o trabalho de Humanização de Partos e das doulas é baseado em evidências científicas atualizadas, derrubando a ideia mística e antiga sobre o parto normal. “No Brasil, há uma cultura de medo sobre o parto natural. Obstetras e médicos que apoiam a prática sofrem retaliação. Se a gestação for saudável, não há problemas pela mulher optar por esse tipo de parto. Há hospitais que oferecem instalações para que tudo seja praticado da melhor maneira. Em São Paulo, o hospital São Luiz Itaim é o que melhor oferece esse atendimento”, afirma a doula.

A jornalista Patrícia Lopes, de 21 anos, ao engravidar de Laurinha, se encheu de ansiedades. Ao ler um relato sobre o parto humanizado, se interessou e foi atrás de pessoas capacitadas e com experiência. “Com 26 semanas de gestação, procurei informação sobre o assunto e procurei pessoas especializadas. Entrei em contato com uma obstetra que apoia a prática e tirei minhas dúvidas com ela”.

Patrícia explica que fez o Pré-Natal pelo SUS até 37 semanas de gestação. A médica que acompanhou o processo era contra a prática. “Ela não fazia parto normal, mesmo minha gestação sendo saudável, sem riscos”. Patrícia ainda lidou com o ceticismo da família. “No início minha mãe me achava louca. Comecei a passar informação, mostrar relatos e as pessoas começaram a entender que não é nenhuma brincadeira, é um trabalho sério e profissional.”

Laurinha nasceu no Centro Obstétrico, após 10 horas de trabalho de parto. “Ficamos em casa um tempo e com 7 cm de dilatação fomos para o Centro. Meu parto teve a participação de minha mãe, duas doulas, o pai e a obstetra. Optei por não usar nenhuma droga, nenhum anestésico. Laurinha nasceu de olhos abertos, foi direto para o meu colo e ficou acordada”.

Patricia ainda alerta para a importância das doulas e ressalta a coragem de alguns médicos em apoiar abertamente o parto humanizado. “Os hospitais não estão preparados para a prática. É preciso uma renovação nas maternidades. O médico tem medo das retaliações. Costumo dizer que todo mundo que participou do meu parto foi essencial e as duas doulas tiveram uma presença especial. Sem elas eu não teria meu parto humanizado”.

O Parto Humanizado é uma prática que custa aos bolsos das mamães. No caso de Patrícia, ela arcou com R$ 10 mil reais para realizar a prática. Como não tinha convênio, pagou R$ 5 mil reais por um quarto no hospital e mais R$ 5 mil para as despesas médicas e equipe. Para ela, valeu cada centavo investido para a vinda de Laurinha.

Marcha: a marcha pelo direito à presença da doula partirá do Edifício Gazeta, às 13 horas, no domingo (03/02/2013). Passará em frente à Maternidade Pró-Matre, seguirá pela Av. Paulista e terminará em frente à Maternidade Santa Joana. Em ambas as maternidades, um abaixo assinado será entregue pedindo a inclusão das doulas como parte da equipe que atende ao parto, como assistentes e não acompanhantes.

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Após a publicação desta notícia tivemos a acesso à informação abaixo em 31/01/2013.

Segundo a assessoria dos hospitais Santa Joana e Pró Matre Paulista, tudo não passou de um mal entendido e informa que as doulas estão passando por um processo de recadastramento. O processo faz parte das atualizações das instituições, que revisam constantemente os procedimentos internos. A política visa reforçar a qualidade e segurança das gestantes e neonatos. As doulas credenciadas no Grupo poderão participar dos partos normais. As que não tiverem realizado o cadastro poderão ter acesso ao local como acompanhante, conforme opção da paciente. Neste caso será permitido apenas um acompanhante por gestante.

Cadastro de Doulas: O credenciamento das doulas para as maternidades Santa Joana e Pró Matre Paulista deve ser agendado previamente pelo telefone (11) 5080-6080 e realizado pessoalmente nas maternidades. Cadastrada, as doulas não serão impedidas de acompanhar o parto como profissionais e a gestante tem direito a um acompanhante.

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