Distúrbios gastrointestinais funcionais: do lactente ao adolescente
Eu ia terminar hoje, mas achei um material interessante, que apesar de ir um pouco na contramão da linha dessa minha matéria, aparece no site da Sociedade Brasileira de Pediatria como highlight (destaque) do XV Congresso Brasileiro e XIX Congresso Latino Americano de Gastroenterologia Pediátrica, realizado de 26 a 29 de março de 2014, em Natal/RN, Brasil.
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Transcrevo aqui, a matéria na íntegra para conhecimento de todos.
Distúrbios gastrointestinais funcionais: do lactente ao adolescente
Cólica do lactente
Palestrante: Carlos Alberto Velasco Benitez
Cólica do lactente, regurgitação, constipação, agitação, irritabilidade e produção excessiva de gases são desordens funcionais frequentes nos primeiros meses de vida. A cólica do lactente pode nos casos mais graves gerar angústia, insegurança e exaustão nos pais, disse Dr Carlos Velasco. Ele definiu a cólica do lactente, segundo os critérios clínicos postulados por Dr. Wessel em 1954 e conhecidos com “Regra dos 3”: lactente até 3 meses de idade, com choro intenso por 3 ou mais horas por dia, por pelo menos 3 dias na semana e por 3 semanas seguidas, sem que haja uma causa identificável para o choro. Em 2006, Hynan et al publicaram no Gastroenterology um resumo dos critérios de Roma III para as desordens funcionais nos lactentes e pré-escolares e como citou Dr. Velasco, com pequenas variantes, reforçam os mesmos critérios clínicos do Dr. Wessel. Pelos critérios de Roma III cólicas do lactente são paroxismos de choro, irritabilidade e agitação, em lactentes com menos de 4 meses, que duram 3 ou mais horas, pelo menos por 3 dias por semana, por pelo menos uma semana. Os paroxismos começam e acabam, de forma abrupta e nenhuma causa aparente para o quadro é encontrado e além do mais o lactente continua crescendo normalmente.
A cólica do lactente tem distribuição universal, afetando igualmente ambos os sexos e independe se o lactente está em aleitamento materno ou em uso de fórmula infantil. A prevalência varia de 8 a 30%, sendo no seu país, Colômbia, de 29%.
A fisiopatologia é multifatorial, com fatores ambientais, alteração da motilidade, disbiose e imaturidade neurológica.
O diagnóstico é clínico. O que predomina é um choro alto, excessivo e persistente, que na maioria das vezes ocorre no final da tarde. Dr. Velasco chama a atenção para sinais de alarme que podem indicar outras causas de choro excessivo no lactente como irritabilidade extrema, taquicardia, palidez cutânea mucosa, sinais de má perfusão, petéquias, equimoses, taquipneia, hipotonia, fontanela abaulada, comprometimento pôndero-estatural e alteração no perímetro cefálico. Da mesma forma, na presença de sinais e sintomas como vômitos biliares, fezes sanguinolentas, febre, letargia e inapetência, também é necessário rever o diagnóstico.
Não há uma terapia específica para as cólicas do lactente e na ausência de sinais de alarme a conduta inicial mais importante é tranquilizar os pais e explicar a natureza autolimitada do sintoma. Outras condutas como alteração na dieta, uso de lactase, probióticos, medicamentos e medidas alternativas carecem de consenso e devem ser utilizadas com critério, complementou o Dr. Carlos Velasco.
Nas crianças em aleitamento materno exclusivo, alguns estudos avaliam o papel da dieta materna hipoalergênica, sem leite de vaca, ovo, amendoim, castanhas, trigo, soja e peixes demonstrando melhora dos sintomas em um grupo de lactentes. Nos pacientes em aleitamento artificial estudos demonstram que o uso de fórmula extensamente hidrolisada (EH) e, nas crianças sem fator de risco para alergia, fórmula parcialmente hidrolisada (PH) podem ser úteis no manejo desses lactentes, provavelmente por melhorarem a digestão e o esvaziamento gástrico, diminuindo a distensão gástrica e produção de gases. Não havendo resposta após uma a duas semanas em dieta hipoalergênica, voltar a dieta habitual. Por outro lado estudos que avaliaram o uso de fibras na dieta, soja e lactase não demonstraram resultados promissores. Bloqueadores de bomba também não apresentaram resultados positivos.
Fitoterapia e técnica de massagens não apresentaram evidência científica de melhora na cólica do lactente.
Alguns estudos demonstram que pode haver evidencia no uso de probióticos, com diminuição do tempo de choro do lactente. Estudo de Indrio e colaboradores publicado no JAMA Pediatrics, agora em 2014, avaliou 589 lactentes e demonstrou que o uso de Lactobacillus reuterii 1 x ao dia diminui o número de regurgitações, e a duração do choro e do hábito intestinal. Embora os resultados sejam promissores não há uma base forte de evidência que apoie a sua recomendação.
Em relação aos medicamentos, a simeticona mostrou resultados iguais ao placebo, assim como o cloridrato de diciclomina e brometo de cimetrópio que, inclusive, podem causar efeitos adversos.
Alguns estudos avaliaram condutas caseiras como enrolar a criança, banhar em água morna, andar de carro na hora da crise de cólica, evitar excesso de manipulação e até uso de chás, mas a qualidade metodológica desses ensaios não foi suficiente para permitir a recomendação de nenhum deles, falou Dr. Carlos Velasco.
Portanto, como vários fatores contribuem para a cólica do lactente é improvável que se encontre uma única intervenção que solucione o problema na população em geral. Ficar atento aos sinais de alarme e, em situações específicas, fazer teste terapêutico para DRGE (Doença do Refluxo Gastro Esofágico) ou alergia alimentar, para confirmar ou afastar essas morbidades, parece ser, por enquanto, o mais recomendado. Medidas caseiras que estejam dando certo podem ser encorajadas a continuar, desde que não tragam prejuízo para o lactente.
Comentários
Eu coloquei no texto alguns links e observações (poucos) para ajudar na compreensão de alguns termos mais técnicos e algumas classificações, além da referência a alguns dos trabalhos citados.
Como se percebe, de acordo com o que já escrevi nos “capítulos anteriores”, não há exames de confirmação e é necessário afastar outras possíveis causas clínicas antes de se fechar o diagnóstico de cólicas, fazendo desse um diagnóstico de exclusão (precisa excluir outras possíveis causas).
Os tratamentos medicamentosos para cólicas e gases não são recomendados por não apresentarem comprovação científica de sua ação. Outras atitudes (até levar para passear de carro) não resolvem o problema.
O que está citado como resultado mais favorável (uso de probióticos, especificamente o Lactobacilus reuterii, uso de fórmulas infantis mais específicas, restrição alimentar da mãe em crianças em aleitamento materno exclusivo) não apresenta nenhum consenso e não é conduta recomendada como rotina, podendo, em determinadas situações, ser tentada, de acordo com avaliação e recomendação médica.
No creo em brujas, pelo que las hay, las hay.
Essa é uma frase que aparece em Don Quixote de Miguel de Cervantes, com origens e comprovações muito discutidas. Das explicações que li na internet uma que gostei muito aponta para um dito popular em castelhano, ao qual se atribui origem galega (bruxas ou “meiga”, como se diz em galego), mais especificamente muito arraigada na Galiza, pelo que a forma original da frase, segundo a versão da Wikipedia, é “eu non creo nas meigas, mais habelas hainas”.
Assim são as cólicas, ou alguma situação pela qual a criança está passando, que a leva a ter reações que incomodam bastante os pais, a família, mas principalmente a própria criança, incompreendida nesses momentos.
Não estou enrolando vocês, eu jurooooo… rsrs. Achei importante destacar uma aula atual e trazer aqui o que temos de informações mais recentes apresentadas em um congresso brasileiro e latino-americano da especialidade para mostrar que apesar de ser um sintoma muito comum, aparentemente simples de se demonstrar e comprovar e que, apesar de toda tecnologia evoluída que temos, cólicas do primeiro trimestre não apresentam ainda nenhuma certeza de diagnóstico e muito menos de tratamento.
Cólicas ou não cólicas, na próxima ou (talvez… rsrs) última parte dessa tragédia espanhola ou grega, quero trazer muitas possibilidades que podem ser tentadas para se compreender melhor essa fase de desenvolvimento do bebê.
Até lá.
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