Hora de Dormir: O Sono – parte 12

Antes de prosseguir: saltos, picos, crises, angústia. Posso esclarecer?

Peço perdão antecipado às mães que “acreditaram em mim na semana passada” e estavam aguardando com tanta ansiedade e esperanças renovadas a parte 12. É que, apesar de ter prometido falar sobre outro método de ajudar pais, crianças e todos a dormirem de uma forma mais contínua, mudando um pouco a abordagem vista até agora, pelo grande número de dúvidas que surgiram nas duas últimas matérias, senti necessidade de comentar sobre três assuntos que têm sido abordados com grande frequência nas perguntas de vocês.

Acredito que essa explicação, que vai retardar apenas por uma semana a “aquisição de mais uma ferramenta” para adequar o sono do bebê, pode ser muito útil para que se aproveite melhor as 11 partes anteriores e as próximas (10???). Apesar de serem três temas que poderiam ser abordados em um capítulo único para cada um deles, vou tentar ser breve, me esforçando para não perder a clareza ou a simplicidade.

Picos de crescimento

Sabe aquela história que te contaram sobre o crescimento (peso e estatura) constante de seu bebê. 30 gramas por dia, 1 kilo por mês, 3 a 4 cm por mês? Pois é… não é sempre beeem assim.

Em alguns períodos de vida de seu filho, esse ritmo vai se acelerar. E quando isso está para acontecer, o que seu bebê precisa? Comer, comer. Comer, comer. É o melhor para poder crescer (alguém se lembra dessa música?). Qual a comida dele? Leite materno. Assim, mesmo que seu bebê já tenha definido um horário mais regular de mamadas, ele pode precisar de mais leite materno para crescer. Se ele já estiver em livre-demanda, essa demanda pode aumentar. Se não estiver, vale a pena instituir.

Isso pode significar que, se um bebê dormia períodos maiores, especialmente à noite, ele pode “precisar” acordar mais para mamar, por um período máximo de uma semana. Cuidado e atenção: Seu leite não está nem fraco e nem pouco nessa fase. Assim, não complemente a mamada. Se estiver em dúvida, converse com seu pediatra, vá medir e pesar seu bebê e… surpresa (para você)… ele terá crescido e engordado.

Esses picos começam a acontecer entre 7 e 10 dias de vida. Depois, podemos esperá-lo por volta de 2 a 3 semanas de vida. Entre 1 mês e um mês e meio, aos 3 meses, 4 meses, 6 meses, 9 meses e assim podem seguir por algum tempo, até se estabilizarem por volta dos 2 a 3 anos.

Assim: para atualizar a ideia aos tempos informáticos de hoje, se formos comparar, o crescimento é o hardware (o equipamento).

Saltos de desenvolvimento

Aqui, mantendo a comparação, o desenvolvimento é o software (o programa), comparados aos “programas” que o bebê vai aprender a usar. São as habilidades que vão sendo adquiridas em determinados momentos da vida, não constantes, e que vão modificar e melhorar suas funções.

Quando você ganha um presente novo (vamos exemplificar hoje com um iPad ou um iPhone), você não quer conhecer todas as suas opções, saber como tudo funciona? Tem hora pra isso? Você lê (ou não) o manual, leva pro banheiro pra testar como se manda mensagens, fica tão excitada com o “brinquedinho novo” que muitas vezes deixa de prestar atenção no que está comendo para aproveitar ao máximo essa sua nova funcionalidade. Fala sério!!! Se nós somos assim, por que seria diferente com um bebê?

Sempre que ele aprende alguma coisa nova, toda vez que ele consegue executar uma função que lhe trará mais autonomia e independência, ele fica tão empolgado, com um aumento do ritmo cerebral para aprender melhor, que isso pode interferir em sua alimentação e até em seu sono.

Mas, quando ganhamos nosso iPad novo, muitas vezes não ficamos perdidos por não estarmos ainda tão adaptados a essa novidade e acharmos que nunca vamos dominar essas novidades? O que fazemos? Vamos buscar nos mais jovens ou em nossos filhos mais velhos o apoio e o suporte para que possamos, aos poucos, nos adaptar à nova tecnologia. E pulamos de felicidade quando conseguimos, finalmente, vencer esse desfaio, até que ele entre em nossa rotina.

O mesmo acontece com o bebê. A sua percepção e seu conhecimento foram estimulados, mas ele ainda não sabe o que fazer com sua nova “informação” (andar, pular, rir, conversar). Ou seja, o neurológico já está em fase de modificação, mas as habilidades ainda não foram adquiridas e dominadas. Então, até que ele consiga atingir seus objetivos, ele vai pedir o apoio e o suporte (o colo e o peito) de quem ele já conhece e em quem confia: sua mãe.

Assim como nós pulamos de felicidade, quando ele atingir seu objetivo ele dará um salto em seu desenvolvimento e sua crise terá um fim. A duração desses saltos não é constante e nem previsível, mas não passará de uma ou duas semanas.

Paciência é fundamental nesse momento. Separação gerada pelo ganho da autonomia e mais apego gerado pela insegurança da separação. Difícil, né? É o momento de grande necessidade de proximidade do bebê e sua mãe (e família, por que não). Esteja mais próxima, acolha, dê suporte.

Para entender melhor o que são esses saltos, eles podem ocorrer em vários campos do desenvolvimento do bebê (cognitivo, social, motor, sensorial), em cada fase de sua vida. Acompanhem-me por alguns dos mais importantes e veja, se no caso de seu filho, essa não pode ser uma das razões para sua mudança de comportamento e de ritmo, inclusive de sono:

1 mês de vida: os olhinhos do bebê firmam um pouco mais e ele se interessa um pouco mais pelo mundo ao seu redor. Pode ficar um pouco mais acordado entre suas sonecas de dia e sorri (socialmente?).

2 a 3 meses: interesse maior pelo mundo através do desenvolvimento de seus sentidos (sons, cheiros, sabores, imagens, texturas – pele). O bebê passa a se virar na direção de algo que o interessou e emite os angus, rrrrrr, mostrando seu entusiasmo pela novidade descoberta. Ele começa a ter a percepção de seu corpo (junta as mãos e as sente, olha para elas e reconhece como suas). Grita (para treinar a sua voz e se ouvir). Sustentando a cabeça, ele se vira e observa o mundo ao seu redor com mais facilidade e interesse. Mas, as novidades ainda geram insegurança e isso pode exigir mais colo e peito, que representam, sempre, seu porto seguro.

4 a 6 meses – movimentos mais consistentes e conscientes (apanha objetos e troca de mãos), melhora na sua comunicação (lalação), diminui seu período de sono durante o dia. Reage de uma forma diferente quando se vê no espelho, responde quando chamado pelo nome.

A partir daqui, o ritmo do bebê começa a mudar (parte 5 dessa série) de ultradiano para circadiano e ele começa a sofrer mais com a interferência do meio, alterando seu padrão de sono que estava se regulando em um ritmo e é comum as queixas de “ele agora não dorme mais como antes” ou “ele ia tão bem até os 3 meses e agora não sei o que aconteceu que ele tem mais dificuldades para adormecer ou acorda mais do que antes”.

Pelo excesso de atenção que ele tem, a mamada também pode não ser tão sossegada e aquele bebê esfomeado, que gritou até quase estourar nosso tímpano exigindo o peito, após algumas sugadas, solta o peito e se volta ao menor som de conversa e sorri, ou até gargalha, para voltar a mamar a seguir, repetindo esse processo várias vezes.

Pior: esse é um dos saltos de desenvolvimento de mais duração (2 a 4 semanas) e quase emenda no próximo, juntando com algumas mudanças muito significativas, como a erupção dentária, a volta da mãe ao trabalho.

7 a 9 meses: A aquisição motora evolui de tal forma que não é mais tão fácil o bebê estar quietinho em seu canto e ele quer e já consegue ficar sentado (com apoio no início, mas sem apoio após um breve espaço de tempo), rolar, se arrastar, engatinhar e ficar em pé (com apoio e depois sem ele).

Mudanças de humor constantes (eles parecem bipolares, não é mesmo?) pela mínima razão (ou até sem nenhuma razão aparente). Ele reclama por estar com as fraldas molhadas ou sujas e reclama quando trocam as fraldas. Não quer mais ficar deitado, com necessidade mais constante de movimentação, que a cada dia se torna mais eficaz.

Fica em pé, imita (palmas, tchau, beijos, não, um aninho), tenta repetir o que se fala com ele.

Aqui cabe falar sobre a outra situação muito comum que acontece nessa idade, entre 7 e 9 meses, e que é uma dos principais motivos dessa parte 12: a crise ou angústia ou ansiedade da separação.

Nessa fase, o bebê tem uma das descobertas mais assustadoras de sua vida, certamente a mais importante até aqui: ele não é sua mãe e sua mãe não é ele. São duas pessoas distintas. Isso quer dizer que quando ela sai de perto dele, ela pode não voltar. E aí? O que ele vai fazer da vida dele? Pela sua insegurança do momento, ele passa a pedir a atenção da mãe de forma mais intensa e mais constante, chorando mais. Isso não é manha. Juro. A mãe é tudo na vida desse bebê.

Voltando na história, há milhares de anos, se uma criança estivesse afastada de sua mãe, suas chances de sobrevida eram mínimas. Assim, ele precisava avisar constantemente onde ele estava. No cérebro, as regiões ativadas nesse sofrimento são as mesmas que são estimuladas na dor física. Assim, afastar-se repentinamente de seus pais dói para o bebê. E essa fase pode durar até 1 ano e meio a 2 anos, enquanto está acontecendo a maturação da parte do sistema nervoso responsável pelo desenvolvimento emocional e social desse bebê.

Assim, nessa fase, é importante alimentar o corpo e a alma do bebê através do vínculo, da presença, da empatia (lembra-se dela na parte 10?). Essa é uma das razões pelas quais, se for possível, a entrada da criança na creche ou berçário deveria ser a partir dos 3 anos de idade (além do melhor desenvolvimento e amadurecimento da visão, audição, fala, sistema imunológico, entre outros).

Mas eu vou voltar a trabalhar? Como eu faço isso depois de tudo isso que você acabou de falar?

Se não tem jeito (e em grande parte das vezes não tem mesmo), a receita é: Conversar muito, mais carinho, muita paciência e manter a coerência, para que ele tenha confiança e segurança, sabendo que você vai, mas volta. A culpa e a pena não devem mudar as rotinas. Se ele perceber sua culpa, “ele vai utilizar essa sua fraqueza”, não por maldade ou sacanagem (não, eles não são assim), mas por instinto de sobrevivência.

Além disso, a transição do vínculo para outro cuidador é importante, não só do ponto de vista alimentar e de cuidados, mas de afeto. Por isso, a adaptação na creche, berçário ou escolinha é tão importante. Por isso, uma babá ou a avó precisam estar presentes junto com você um tempo antes da volta ao trabalho. O desconhecido costuma gerar insegurança, estresse, desconfiança.

Um bebê deixado sozinho, sem um preparo adequado prévio, sem ser consolado, sem ser atendido, pode se tornar mais inseguro, mais estressado, mais triste. E essa reação pode nem se manifestar no momento, mas pelas impressões que ficam marcadas em sua vivência e em seu cérebro podem aparecer tempos mais tarde. Assim, colocações do tipo “eu fiz isso e ele até hoje não apresentou nenhum problema” podem ruir após algum tempo. Isso não quer dizer que necessariamente aconteçam, mas apresentam um maior risco, com certeza (e isso é comprovado por estudos, não sendo só uma impressão minha).

Pequenas dicas:

– Entender e aceitar que a angústia de separação é uma fase positiva de desenvolvimento;

– Passar o máximo de tempo possível com seu bebê nessa fase, olho no olho para manter a conexão e o contato e, se você trabalha, quando voltar para casa, respire fundo, se acalme e… dedicação exclusiva nesse momento, com muita alegria e paz, sem culpa ou arrependimento (lembre-se que você está voltando ao trabalho para cumprir sua parte de cidadania ou por necessidade ou por alguma outra razão e não para “sacanear” ou “se livrar de seu bebê”);

– Não ficar trocando o bebê de colo o tempo todo;

– Estabelecer uma rotina de transição de cuidador para criar um vínculo de confiança;

– Fazer pequenas separações rápidas, no dia-a-dia, para habituar a criança, especialmente que você vai, mas volta.

Continuando após os 9 meses:

1 ano e mais: vale uma frase que ouvi de minha irmã, psicóloga (um beijo Esther), quando suas filhas eram pequenas (lá se vão quase 30 anos): “A gente não vê a hora de eles andarem e falarem, pra rezar pra eles sentarem ou pararem de falar por alguns minutos no dia”.

E quanto mais andam, mais querem andar. E quanto mais falam (tatibitate), mais querem falar. E ficam bravos quando não são ouvidos ou quando não são liberados para seus passeios, por qualquer razão.

E assim, poderíamos ir até as fases de andar, correr, cair (depois de correr), subir e descer escadas, pular, retirada de fraldas… ufa… eles crescem e seu desenvolvimento salta mesmo.

E esses fatores estão envolvidos nas mudanças e adaptação de um recém-nascido que nasce em média com 3 kg e 50 cm e chega ao final de um ano de vida com 9 kg (triplica de peso) e 75 cm (50% de crescimento – 25 cm). E isso tudo regado a leite materno (preferencialmente, ou fórmulas infantis) com adaptações alimentares a partir do 6º mês, erupção de dentes (em média 6 deles ao final de um ano de idade), vacinas praticamente mês a mês, ainda mais se influenciados por picos de crescimento, saltos de desenvolvimento, crises durante o primeiro ano de vida… ufa… por que com o sono teria que ser diferente?

São fases de adaptação. Algumas questões dependem das crianças (seu desenvolvimento), outras do ambiente, outras da interferência dos pais, da família, dos cuidadores.

Semana que vem, juroooooo, mesmoooo, vou me penitenciar e falo sobre um novo método de transição para um sono mais sereno, duradouro. Mas essa pausa era mesmo importante para essas explicações. Vocês não acharam?

Esse artigo faz parte de uma série, para ver as demais partes, acesse:

Dr. Moises Chencinski

Formado pela Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo com título de especialista em pediatria pela Associação Médica Brasileira (AM...

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