Hora de Dormir: O Sono – parte 19

Sobre aleitamento materno, respeito, “timing” e… sono

Passamos por alguns bons bocados, não é mesmo? Mas, pelo menos para mim, acho que valeu a pena.

Muitas crianças passaram a dormir melhor, algumas famílias encontraram um pouco mais de equilíbrio, muitas mães nos mostraram suas experiências que puderam ser aproveitadas por outras.

Mas, principalmente, passamos a analisar nossas crianças e suas características sob uma nova perspectiva. Conhecemos um pouco mais sobre o sono e suas peculiaridades em cada fase do desenvolvimento dos nossos filhos, esclarecemos um pouco mais sobre as metodologias mais difundidas e utilizadas na tentativa de solucionar um problema que sempre parece não ter fim: A HORA DE DORMIR.

Esse assunto nunca se esgota, até porque, a cada dia aparecem mais fatores e situações que interferem de alguma forma no sono das crianças. Mas acho que grande parte do “problema” foi abordado aqui nos textos e nas perguntas e respostas de todos vocês.

Mesmo assim, gostaria de fazer algumas colocações que julgo importantes para concluir de forma que me satisfaça essa nossa trajetória e expor a minha opinião. Peço a vocês a mesma empatia (lembram-se dela?) que foi seguida aqui durante esse nosso tempo juntos.

ALEITAMENTO MATERNO

Como já colocamos sempre por aqui, após a compreensão do mecanismo do sono, qualquer método utilizado na tentativa de fazer com que uma criança durma, desde que seguido conforme foi estabelecido, tem grandes chances de sucesso.

Cada família, cada mãe e/ou pai poderá tentar aquela técnica com a qual mais se identifica, aquela que supostamente traria menor sofrimento a todos e não há muito o que se criticar porque cada um conhece suas capacidades e suas limitações.

Em minha opinião, qualquer método que interfira com a dinâmica saudável do aleitamento materno deve ser uma condição muito, muito, muito, muito… já entenderam que é muito, muito mesmo especial para que seja justificado seu uso.

ALEITAMENTO MATERNO: desde a primeira hora de vida, exclusivo e em livre demanda, estendido até 2 anos ou mais. Essa é a principal meta a ser defendida para que possamos pelo menos torcer por essa geração de 100 anos que está sendo criada.

Assim, não está dentro da minha lista de sugestões e orientações qualquer tentativa que ponha em risco a continuidade do aleitamento materno. Estabelecer horários de mamadas, limitar o tempo de mamada, suspender uma mamada enquanto o bebê necessita e se beneficia do leite materno são situações que sempre deveriam ser contornadas para que a criança possa ter seu crescimento e desenvolvimento saudáveis.

Todo pediatra deveria estabelecer como prioridade a meta de favorecer o aleitamento materno. Essa meta deveria ser mais estimulada nas faculdades de medicina, nas residências médicas de pediatria, nos congressos médicos e em tudo o que se escrever, se falar, se ouvir a respeito de saúde infantil.

Devemos respeitar e acolher as mães que, por qualquer razão, não conseguem atingir esse objetivo, mas não podemos deixar de reforçar a importância do aleitamento materno.

RESPEITO

Essa é uma tarefa dificílima. Meus pais sempre me falavam que temos que respeitar os mais “velhos”. E eles não estavam completamente enganados.

Mas não só as pessoas de idade acima da nossa que merecem respeito. Todos merecem independente de sexo, raça, religião, cor e idade.

Abre parênteses

Do Dicionário Houais da língua portuguesa: Respeito

2 sentimento que leva alguém a tratar outrem ou alguma coisa com grande atenção, profunda deferência; consideração, reverência

6 estima ou consideração que se demonstra por alguém ou algo

Fecha parênteses

Assim, as crianças também merecem nosso respeito. Seres em crescimento, seres em desenvolvimento que podem nos ensinar tanto se soubermos observar e até nos lembrar de como já fomos um dia, em algum lugar do nosso passado.

Há um termo em inglês que cabe muito bem aqui: timing.

Abre parênteses

Do Dicionário Michaelis: Substantivo masculino

3 escolha do tempo mais adequado para fazer alguma coisa.

Fecha parênteses

Qual a idade certa para uma criança sentar, falar, correr, tirar as fraldas, aprender a ler, a escrever, a… dormir a noite toda? Existe uma idade certa para uma criança ser ou deixar de ser uma criança?

A criança pode sentar entre os 6 a 10 meses, andar entre 9 e 24 meses, falar entre os 8 e 24 meses, tirar as fraldas entre 2 anos e meio a 3 anos. E se ela fizer isso antes? E se demorar um pouco mais? Isso é normal ou não?

Precisamos tomar cuidado com as nossas expectativas e as nossas questões que depositamos em nossas crianças. Quem foi ou é meu paciente já ouviu essa frase, que costumo falar na primeira consulta de recém-nascido:

Vou passar a vocês agora, uma das orientações mais importantes desta minha primeira consulta de recém-nascido, tão importante quanto o aleitamento materno porque vale para a vida toda.

Toda vez que nasce um filho, vocês precisam aprender a fazer um exercício dificílimo, mas fundamental para a boa vida bio-psico-físico-social da família.

Vocês precisam aprender a diferenciar o que é problema seu e do que é um problema dele.

Todas as vezes que vocês tentarem resolver o “”seu problema”” nele, vocês não resolvem o “”seu problema””, criam um problema novo para ele que passa a ser o seu próximo problema.

Acho que ficou claro, não é? Trazendo essas questões para esse nosso momento, vou relembrar o que falamos a respeito de ciclo biológico, na parte 5 dessa série.

Abre parênteses (mais um deles hoje, hein?)

Assim, até os 3 meses de idade, o bebê tem um sono em ritmo ultradiano (sem um ritmo adequado, até porque sua glândula pineal – lembra dela? – é rudimentar e não sofre a ação adequada da melatonina – claro / escuro) e queremos que ele atinja o ritmo circadiano (do latim “cerca diem” que quer dizer cerca de um dia), que é viável apenas após essa época. Ou seja, a transição do sono fragmentado para sono consolidado só pode acontecer conforme a criança cresce. Qualquer tentativa de treinamento, condicionamento antes dos 3 meses de idade é ineficaz. O que se pode fazer nessa idade é criar condições favoráveis externas, ambientais, que aumentem as chances de um bebê fazer essa transição com o mínimo de sofrimento possível.

Fecha parênteses

Esse tempo até os 3 meses do bebê, pelo menos, no que diz respeito ao sono, deve ser respeitado. Não se “treina” ou se “condiciona” um bebê até os 3 meses de idade, pelo menos, por respeito ao seu tempo (timing). Ele precisa desse tempo (às vezes mais) para se adaptar às condições que ele encontra aqui fora, nesse mundo que não tem tempo para esperar por ele. O mundo está com muita pressa. E com pressa não temos tempo de acompanhar o crescimento e desenvolvimento de cada uma das crianças, que é uma característica própria, individual, que identifica e individualiza cada uma das crianças. Se não temos tempo, perdemos nosso timing adequado.

Cada um é cada um

Quando um filho aparece em nossas vidas, fica claro que mudam nossas prioridades, mesmo que não estejamos preparados para isso.

Sempre nos comparam aos outros integrantes do Reino Animal, quer seja na questão de alimentação, de desenvolvimento, de dependência. A questão é que a “raça humana” tem suas peculiaridades, suas excentricidades, seus fatores positivos e negativos, mas não acho que ela é melhor e nem pior do que as outras e sim diferente.

Os filhotinhos de cachorros ficam de pé logo, os dos gatinhos enxergam logo, os bezerrinhos mamam por pouco tempo. A questão é que filhotes serão animais maiores, com suas vidas características suas habilidades e suas necessidades. Enquanto isso, os “bebês-humanos”, gerados após um período específico de gestação, terão suas necessidades, suas habilidades e seu desenvolvimento adequado para sua “raça-humana”.

E mesmo entre os membros da mesma raça pode haver diferenças em todos os campos de seu crescimento e desenvolvimento, suas aptidões e suas limitações. Dessa forma, podemos até tentar estabelecer um “padrão de normalidade”.

Abre parênteses (não acaba?)

Do iDcionário Aulete: Normal

  1. Que é natural ou habitual (reação normal).
  2. Que é segundo a norma ou padrão.
  3. Que é usual, comum, habitual, corriqueiro.
  4. Mental e fisicamente saudável (diz-se de pessoa).
  5. Pop. Que não foge, em termos de comportamento, à regra da maioria das pessoas.

Fecha parênteses

Isso quer dizer, que quem tem essa denominação (normal) apenas é alguém que está dentro de um padrão estabelecido, dentro de uma norma que “atinge a maioria das pessoas”, mas não necessariamente quem está fora dela esteja errado.

Voltando ao nosso tema sono, cada família, cada casal, cada criança terá seu próprio ritmo, suas próprias características “normais” e que podem não ser adequadas a todas as outras crianças, variando de acordo com questões sociais, culturais, econômicas, filosóficas, religiosas, e assim por diante.

Os estudiosos estabelecem parâmetros de comparação que são fundamentais para acompanharmos características daquele determinado grupo ao qual pertencem, criando, assim, expectativas e condições de avaliação. Dessa forma ficaram conhecidas as necessidades de sono de cada faixa etária e como esse sono deveria ser distribuído durante as 24 horas.

Quem deve se adaptar a quem?

Após 9 meses no útero, recebendo oxigênio e alimento através do cordão umbilical, urinando dentro do líquido amniótico, sem evacuar, crescendo em uma velocidade espantosa, passando de um ponto microscópico em 9 meses para um ser de cerca de 3 kilos e 50 cm, desenvolvendo capacidades inimagináveis, esse bebê é retirado desse meio em que ele vivia, e de repente ele tem que aprender a respirar sozinho, a se alimentar através de seus próprios meios, a se mover por meio de seus membros, urinar e evacuar, enxergar, ouvir, digerir alimentos, mudar de estado de vigília para estado de sono.

Aí, alguém vem e diz que não é a família que tem que se adaptar ao ritmo de um bebê ou de uma criança e sim a criança que deve se adaptar ao ritmo da família.

Muita calma nessa hora. O bebê já passou por muitas transformações e ainda tem uma imensidão de mudanças à sua frente. Seus sistemas (respiratório, digestório, urinário, cardiocirculatório, etc.) estão em franco desenvolvimento e aperfeiçoamento. Seu contato com o nosso mundo começa a se estabelecer aos poucos e quando ele pensa que está se acostumando com alguma rotina, alguém ou alguma coisa muda essa rotina e estabelece uma nova.

Quando ele poderá sair de casa, viajar, entrar no mar, comer, ir para a escolinha pela primeira vez? Essas perguntas apresentam a mesma resposta: DEPENDE.

Verdade. Depende tanto das condições do bebê, quanto das necessidades ou expectativas da família, quanto da sociedade, do mundo que o cerca.

Mas, se iniciarmos e mantivermos o aleitamento materno pelo período necessário, se aprendermos a entender o “timing” do bebê, a respeitar suas características, a captar as suas particularidades e suas individualidades, ficará mais natural e mais claro e simples descobrir qual o caminho a seguir.

E sempre é mais fácil e, na maior parte das vezes, mais lógico nós nos adaptarmos às necessidades do bebê e nos adaptarmos a elas do que o contrário. Isso não significa, de forma alguma, que não deve haver certas regras, certas rotinas e que tudo ficará ao deus dará. Mas, é mais fácil, enquanto acompanhamos o desenvolvimento da capacidade das crianças, nós nos adaptarmos a eles do que eles a nós.

Concluindo

Uma vez que se aprenda a observar e a acompanhar as crianças, e agora conhecendo como funciona o seu sono, os hormônios envolvidos, a importância das sonecas do dia, algumas técnicas viáveis e possíveis, as crises e picos de desenvolvimento e crescimento do primeiro ano de vida, em minha opinião, o que vale é o vínculo familiar criado e fortalecido, o respeito às características e ao tempo de cada criança.

Os “problemas” e as diferenças vão aparecer e, com a proximidade, com calma, com um bom contato com o pediatra, tudo pode ser solucionado, de forma tranquila, sem stress.

Não. Pode não ser fácil.

Não. Pode não ser sempre.

Não. Pode não ser para todos.

Mas com certeza é possível.

E antes de me despedir (dessa matéria… vocês não vão se ver livres de mim tão cedo… nem tão tarde… rsrsrs), a mesma rotina e a mesma forma de pensar que usamos aqui em relação ao sono, vale para todas as outras fases e características de nossos filhos, de nossas crianças.

O que vale para “o meu filho que não dorme”, vale para “o meu filho que não come” ou para “o que come demais”, para “o meu filho não quer tirar as fraldas”, para “o meu filho que não quer ir para a escolinha”, enfim para qualquer filho em qualquer situação de transição.

Nada que o amor, o carinho, o acolhimento, a compreensão, a paciência e o tempo não possam dar conta ou resolver. Estamos criando a geração dos 100 anos. Que essa seja uma geração com um futuro promissor. E nós somos também responsáveis por isso.

Alguns pensamentos que eu gosto sobre os filhos e até breve

A verdade é que a gente não faz filhos. Só faz o layout. Eles mesmos fazem a arte-final.
Luis Fernando Veríssimo

A melhor maneira de tornar as crianças boas é torná-las felizes.
Oscar Wilde

Os braços de uma mãe são feitos de ternura e os filhos dormem profundamente neles.
Victor Hugo

Não deverão gerar filhos quem não quer dar-se ao trabalho de criá-los e educá-los.
Platão

Antes de me casar eu tinha seis teorias sobre como educar aos filhos. Agora tenho seis filhos, e não me resta nenhuma teoria.

John Wilmot

Se quiser que os seus filhos sejam brilhantes, leia contos de fadas para eles. Se quiser que sejam ainda mais brilhantes, leia ainda mais contos de fadas.
Albert Einstein

Esse artigo faz parte de uma série, para ver as demais partes, acesse:

Dr. Moises Chencinski

Formado pela Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo com título de especialista em pediatria pela Associação Médica Brasileira (AM...

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